O mesmo Stanley Kubrick que fez 2001 - Uma Odisséia no Espaço, Spartacus, O Iluminado, Barry Lindon e De Olhos Bens Fechados (seu último trabalho), é responsável por uma das obras mais instigantes da história do cinema nos últimos 50 anos. "Laranja Mecânica", de 1971, é um trabalho à frente do seu tempo. Tanto que chocou as sociedades inglesa e americana, foi criticado pelo excesso de violência mundo afora e o próprio diretor chegou a proibir durante muitos anos a exibição do filme.
Esse excepcional trabalho de Kubrick foi lançado no Brasil na época da repressão braba. Curiosamente, o filme foi liberado com alguns cortes e estranhas bolinhas escuras servindo para esconder o sexo das mulheres em algumas cenas de nudez. Era um negócio rídiculo: as moças corriam, algumas com um verdadeiro matagal, nas partes baixas, e as bolinhas atrás, tentando impedir as pessoas de ver o que estava bem explícito.
Isso, no entanto, é só um detalhe que vale apenas como curiosidade histórica. Visto agora, 40 anos depois, Laranja Mecânica nos dá a certeza de como o cineasta inglês tinha os olhos voltados para o futuro e antecipou em sua ficção muitas coisas que se tornaram comuns na sociedade contemporânea. A violência do filme, hoje, é fichinha para o que anda se fazendo na vida real, em Londes, Nova Iorque ou qualquer grande cidade brasileira. Aliás até nos municípios pequenos e na zona rural os homens-monstros estão à solta.
O principal personagem do filme de Stanley Kubrick é Alex de Large (Malcolm McDowell), um jovem deliquente que sente prazer em agredir e até matar velhos mendigos ou mulheres solitárias. Ele e seu bando, chamado de "Droogs" se divertem com a pornografia, a violência e a música.
Alex é especialmente apaixonado Beethoven e muitas vezes a história parece estar sendo conduzida por uma das sinfonias do grande compositor clássico. É como se um maestro invisível estivesse regendo a 9ª Sinfonia para que os delinquentes juvenis praticassem os seus atos selvagens.
A primeira parte de "Laranja Mecânica" tem esse componente: Alex e seus amigos selvagens, de olhos alucinados, batendo em pessoas indefesas e músicas incríveis (não tem só Beethoven) conduzindo as brincadeiras do bando de malucos.
O personagem é traído pelos companheiro e ao matar uma senhora é apanhado pela polícia. A partir daí o longa da uma guinada e lembra de algum modo "1984", de George Orwell.
Médicos patrocinados pelo Governo vão realizar um tratamento para mudar a personalidade do jovem marginal. O próprio prisioneiro deseja se livrar dos seus "instintos maus" e aceita fazer a experiência, ganhando em troca a liberdade.
Alex passa a ter horror a qualquer espécie de violência. Não reage mesmo se alguém quiser lhe bater. De um adolescente perigoso, que se tornou um criminoso como se participasse de um jogo de videogame, vira um sujeito sem personalidade, quase um inútil.
Kubrick, utilizando uma linguagem cinematográfica bastante moderna para a época, termina por fazer um crítica eficaz contra o sistema, sem poupar os jovens, os governos, as igrejas e a própria ciência.
Sem a docilidade de Chaplin, que fazia a crítica, provocava o riso e apontava a esperança, Kubrick é realista, frio até, ao mostrar ou prever um mundo sem muita perspectiva e com boas chances para o mal ou a hipocrisia vencerem.
Laranja Mecânica é um filme que cresce com o tempo, permite várias leituras e é extremamente bem realizado. Mais de duas horas que não cansam, pelo contrário, você sente até o gosto de quero mais. Imagine você que essa obra prima foi baseada num livro escrito em 1959. Tanto o autor do texto quanto o cineasta não tinham bola de cristal, mas eram inteligentes o suficientes para avaliar o ser humano, a sociedade nos anos 60 e subsequentes e imaginar as consequências do que se estava plantando.
Como 2001, Laranja Mecânica é uma viagem. O visual, a trilha sonora, o roteiro, tudo funcionam para mexer com sua cabeça. E você sai da experiência enriquecido intelectualmente, sem a menor sombra de dúvida.
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