Gilvan de Souza Lemos é natural de São Bento do Una, no Agreste de Pernambuco. É o maior nome da literatura do Estado, na atualidade, com mais de 20 livros publicados, a maioria deles retratando fatos de sua infância e juventude, no interior, e acontecimentos que viveu e presenciou no Recife, já que há mais de 50 anos mora na capital pernambucana.
Pelo que li de Gilvan até hoje – A Noite dos Abraçados, Emissários do Diabo, Os Pardais Estão Voltando, Neblinas e Serenos, Espaço Terrestre e O Anjo do Quarto Dia – acredito que sua obra guarda semelhanças com a de Érico Veríssimo, autor já abordado nessa série.
Alguém pode discordar, outro vai querer argumentar que o autor de Clarissa tem melhor qualidade literária, muitos talvez defendam que não há paralelo, pois o pernambucano nunca teve a mesma expressão do gaúcho.
Acho que essa discussão não vem ao caso, uma vez que a intenção aqui não é fazer uma seleção de escritores apontando quem é melhor ou pior. Quem fica em primeiro lugar ou em vigésimo. O objetivo é traçar um painel de escritores representativos do país, que tenham uma obra literária reconhecida pela crítica e/ou pelo público, ao mesmo tempo que expressem uma determinada época ou região do país.
Érico foi um escritor importante, na medida em que contou a história da formação do Rio Grande do Sul, com suas narrativas, retratou a vida urbana de Porto Alegre nas décadas de 30, 40 e 50, principalmente, e criou personagens capazes de entrar no imaginário popular, tipos que foram e são amados pelos brasileiros.
Gilvan, com um estilo acadêmico, uma narrativa direta e enxuta, contribui desde que era ainda um menino, para que se faça uma leitura da vida nas vilas, nas pequenas cidades e no Recife de tanta diversidade e contradições.
Embora Gilvan Lemos tenha vários livros premiados e sua obra hoje seja exigida em alguns exames vestibulares no Nordeste, não é muito fácil encontrar informações detalhadas sobre o escritor. O jornalista Urariano Mota, radicado na capital, conseguiu conversar com o romancista e produziu um belo texto. Abaixo transcrevemos uma parte, começando com um depoimento do próprio autor de Jutaí Menino:
“Desde criança a leitura tem sido o que existe de mais importante na minha vida. Primeiro me apaixonei pelos gibis. Interessava-me também pelos livros infantis de Monteiro Lobato, que os mais velhos indicavam para que eu me instruísse, embora eu não os lesse com esse intuito, e sim por me divertir principalmente com as presepadas da Emília. Depois passei a ler romances. O primeiro que li, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, me conquistou definitivamente. A ficção continua a ser minha leitura predileta. Não sei como uma pessoa passa pela vida sem ler, sem se interessar pela literatura...
“Em 1951, obtive um prêmio instituído pelo Estado para romances inéditos com meu livro de estreia, Noturno sem Música, publicado cinco anos depois em edição particular. Que passou completamente despercebido pela crítica local. Isso me decepcionou sobremaneira... Doze anos mais tarde arrisquei-me a remeter um novo romance à Editora Civilização Brasileira, principal editora de literatura na época. O livro – Emissários do diabo – foi aceito e publicado em 1968. A partir daí, as portas do paraíso se abriram para mim, e meus primeiros romances foram publicados no Rio, em São Paulo e Porto Alegre (no tempo da famosa Editora Globo)”.
Gilvan Lemos confessou ao jornalista Urariano que dois grandes escritores pernambucanos foram seus amigos, conviveu com eles: Hermilo Borba Filho e Osman Lins, o primeiro natural de Palmares e o segundo de Vitória de Santo Antão.
O escritor de São Bento do Una é um homem reservado, calmo, alguns podem até imaginar que se trata de um frade. Vive solitário, com seus livros e lembranças. Numa outra entrevista, conduzida por Schneider Carpeggiani, do Jornal do Commercio, confessou não ter gostado de ter completado 80 anos. “Nunca pensei em viver tanto tempo. Meu pai morreu com 68 e minha mãe com 60. Para que a velhice? É a pior desgraça que Deus inventou, acho que nem foi ele, deve ter sido satanaz”, desabafou Gilvan Lemos.
"Noturno Sem Música", da década de 50, foi o primeiro livro do escritor pernambucano. De lá para cá não parou mais, tendo publicado mais de duas dezenas de obras que são consumidas pelos que amam a boa literatura, reconhecidas pelas críticas e estudadas nas universidades. Apesar de não ter gostado de ter ficado velho, é bom que continue entre nós, escrevendo, criando, ensinando aos mais jovens, com o seu estilo elegante de quem bebeu na fonte dos clássicos.
Destacamos da prosa de Gilvan um trecho da novela “As Filhas do Padeiro”, uma narrativa deliciosa desse bom escritor:
“Acabado o jantar, as filhas se retiravam. D. Guimar, desmerecida, acompanhava-lhes a fuga com o olhar. As meninas rebelavam-se cada vez mais. Não ajudavam na cozinha, na lavagem dos pratos, em nada. Vaidosas, temiam estragar o esmalte das unhas no corrosivo do sabão.
“À mesa, permaneciam marido e mulher, em discussões financeiras, econômicas, familiares, todas no mesmo tom; comentários alegres ou tristes, de censura ou de elogios acondicionados naquela afinidade adquirida em convívio de mais de 30 anos. Tais discussões só se interrompiam quando D. Guimar se dispunha a lavar os pratos e seu Enéas ganhava a rua ou ia sentar-se à calçada para desfrutar a amenidade do Iço-Mirim. Mais tarde ressurgiam, no leito, ocasião em que os dois ficavam a repisar nos mesmos assuntos até romper a madrugada”.
Parabéns Roberto. Grande texto você fez sobre esse grande escritor brasileiro. Se Gilvan morasse no sul ou fosse argentino, sua projeção seria dos maiores da América.
ResponderExcluirObrigado Helder. Aceito sugestões para esta série.
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