As
urnas do primeiro turno da eleição à Prefeitura do Recife sinalizaram a virada
de Marília Arraes de forma inequívoca. Mesmo uma análise superficial das
intenções de votos nas pesquisas do Ibope e do Datafolha, desde a primeira
semana de outubro, já evidenciava um movimento político-social pela mudança. O
guia eleitoral e as trocas de informações entre os eleitores serviram
certamente (e apenas) para observar e comparar os candidatos que poderiam
representar melhor esse desejo.
No
interior dessa análise (menos subjetiva do que pode parecer) a candidatura de
João Campos (PSB) já estava, por assim dizer, eleitoralmente rifada. O sinal de
sua fraqueza era perceptível na virtual estagnação do seu desempenho na
preferência dos eleitores, que oscilou de 26% a 31% em várias pesquisas. O
“teto” era visível a olho nu: Campos, pela percepção de pelo menos dois terços
do eleitorado recifense, não representava mudança, antes pelo contrário.
Mas
houve quem não percebesse logo esse processo porque teimou em focar a análise
por uma ótica ideológica redutora. Em outras palavras, ainda que possamos
discernir elementos político-ideológicos nesse fenômeno, ele em si mesmo não é
condição suficiente para explicar por que aqueles dois terços isolaram /
emparedaram cirurgicamente o PSB. Antes de aquilatar propostas como sendo de
esquerda, direita, neoliberal etc, o eleitor julga nos termos dos seus
interesses pragmáticos e objetivos. E, novamente, Campos encarnava uma barreira
ao desejo de mudança.
Mas,
afinal, o que seria ou será essa mudança? Creio haver no eleitorado a percepção
de uma necessidade de avanço, um passo à frente na gestão, talvez mesmo uma
ruptura histórica com um modelo de gestão tecnocrática, o qual engessa e sufoca
as forças criativas do movimento social e popular, das esferas do trabalho e da
cultura.
Não
é por acaso que o prefeito Geraldo Júlio é, antes de tudo, um
tecnocrata que nunca incorporou essa dinâmica em potência. Antes, sua gestão as
represou porque inexistiu canal de interlocução que mediasse institucionalmente,
pelo diálogo aberto na formulação de agendas sociais, os interesses complexos
dos agrupamentos cujas vozes desejam agir e interagir em espaços concretos de
poder.
Cada
vez mais esses agrupamentos sentem que são a fonte de legitimação do poder pelo
voto, mas dele fica alijado como a fonte seminal na formulação de políticas
públicas. Querer se efetivar como integrante do poder, e não ator eventual de
processos político-eleitorais, parece-me o grande passo emancipador que esse
movimento evoca. Ora, aqui há um elemento de natureza per se ideológica nessa percepção, o qual explicaria porque Marília
Arraes (PT), já despontava no segundo turno “virando o placar”.
Depois
de isolar Campos no seu frágil “teto”, e eleitor meditou e decidiu, já no
primeiro turno, que Marília era quem reunia as melhores condições de romper a
tecnocracia, operar a ruptura histórica que, em certo sentido, emula a mudança
liderada pela dupla Miguel Arraes – Pelópidas na primeira metade dos anos 60,
uma experiência que o Golpe Militar de 1964 interrompeu.
Apontar
para Marília significa dar um voto de confiança que jamais, na história
política do Recife, o eleitorado deu para qualquer político, e o fato de a sua
candidatura ser pelo PT agrega ainda mais, ao desafio, uma montante de lutas
políticas e sociais de um belíssimo passado libertário dos pernambucanos,
rebeldes no sangue e na alma.
Como
herdeiro político-ideológico desse movimento de lutas já centenárias, o PT
deverá traduzir na prática real do poder o desejo da mudança que, para se
efetivar, precisará romper desde dentro da máquina engessada da prefeitura as
correntes da gestão cosmética do Recife.
As
duas primeiras pesquisas de intenção de voto neste segundo turno apontam que
(se nenhuma variável extemporânea se interpor) Marília Arraes deve ser eleita,
talvez até com uma vantagem considerável. O PT já perdeu para si mesmo em
algumas disputas. Não seria o caso, agora. A questão, agora, será estar à
altura, sob a gestão de Marília, de um desafio que somente com a presença das
forças do movimento social e popular, como eixo de transformação, poderá ser
vencido para afirmar a grandeza da nossa cidade e dos seus cidadãos.
Desde
já, declaro o meu voto em Marília na construção desse futuro que começa aqui e
agora.
*Roberto
Numeriano é jornalista, professor, escritor e pós-doutor em Ciência Política.
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