Cláudio
Gonçalves (foto) é professor e escritor. Tem dois livros publicados sobre a hecatombe
de Garanhuns e finaliza uma biografia romanceada do cantor e compositor Roberto
Carlos, dentre outros trabalhos. Nos últimos meses, tem feito um trabalho de
repórter e pesquisador, realizando entrevistas caprichadas com valores
culturais da cidade e região.
Seu
último entrevistado foi o professor, escritor e cientista político Michel
Zaidan, que de tão satisfeito com o resultado do ping pong, resolveu “dar o
troco”.
Invertendo
os papeis, Michel virou repórter e entrevistou Cláudio. Como vocês vão conferir
aqui, o professor tem muito a dizer e nós que saímos ganhando com esse bate
papo sobre música, livros, história e Garanhuns.
É
ler, reler, repassar para os amigos,
arquivar e se deliciar.
Michel -
Cláudio Gonçalves, você se considera mais historiador do que romancista? A
condição de romancista ajuda ou atrapalha a de historiador?
Cláudio -
Apesar de produzir alguns trabalhos fundamentados em teorias, revelando as interações
humanas através das evidências, tenho uma inclinação para o romance, pelos
seguintes fatores: o desafio de recriar o passado, buscando respostas sobre os
aspectos da vida que jamais foram abordados e poder criar personagens para que
emerjam a partir das evidências, criando um mundo que seja verossímil, que
possa trazer uma compreensão dos fatos históricos através da reconstrução do
passado nas mentes dos leitores. Desde a tenra idade fui fascinado pelos
romances e contos, e quando iniciei as primeiras produções literárias e a
caminhada de historiador, percebi que poderia basear-me na realidade e escrever
os fatos históricos com uma narrativa romanceada, um mundo mais amplo, em que o
real e o imaginário poderiam descrever o que uma pessoa encontraria se pudesse
de fato voltar num determinado período histórico. Sublinhando que, os
romancistas também dedicam horas de pesquisas e análise de fontes para recriar
determinados períodos históricos. Quanto à questão, se a condição de romancista
atrapalha a de historiador, no meu caso, não atrapalha, pois tudo parte da
minha inspiração, há acontecimentos históricos que prefiro fazer um trabalho
mais teórico-metodológico e outros que com a mesma seriedade de pesquisa me
inspiram para escrever uma ficção histórica.
Em suma, me considero um romancista, fruto do dom e de muitas leituras,
gosto que nasceu com as leituras e histórias contada pelos meus pais, e um historiador em constante construção, buscando
sempre novos conhecimentos que possam melhorar a minha visão de mundo e
produção histórica, que culmina com um escritor, que escreve pelo prazer de
viver épocas que nunca viveu, e conhecer pessoas e lugares que eu nunca
conheceu.
Michel -
Por que escrever sobre a chamada “Hecatombe” em Garanhuns? Como você avalia o
impacto desse trágico acontecimento na evolução da nossa cidade?
Cláudio -
O interesse pela Hecatombe de Garanhuns surgiu quando lecionava no Colégio
Santa Sofia, em 1997. Durante uma aula sobre o coronelismo, um aluno chamado
Aldo Brasileiro mencionou que era descendente do coronel Júlio Brasileiro, a
partir daquele momento recorri às publicações de Alfredo Leite Cavalcanti,
História de Garanhuns e “Anatomia de uma Tragédia” do professor Mário Márcio
dos Santos para aprofundar nos estudos. A dimensão do trágico acontecimento
político em Garanhuns em 1917 me deixou interrogações, Alfredo Leite fazia um
relato como testemunha ocular da Hecatombe e o professor Mário Márcio trazia
uma visão sob o viés da teoria marxista. Depois das leituras das obras ficava
me questionando se não havia outras respostas históricas para a tragédia
política de Garanhuns, foi então que iniciei as pesquisas em 1998, fazendo
pesquisas no Arquivo estadual, entrevistas com testemunhas oculares e
levantamento bibliográfico do fato histórico, o que resultou nas publicações do
romance-histórico “Os Sitiados – A Hecatombe de Garanhuns” em 2009 e “A
Cobertura Jornalística da Hecatombe de Garanhuns” uma interpretação histórica a
partir da conjuntura política implantada a partir do início da República
oligárquica.
A
avaliação que faço do Impacto causado desse trágico acontecimento na evolução
da nossa cidade, é que na época
Garanhuns despontava como uma das mais prospera economia do estado e com forte
representação política, depois da Hecatombe muitas das famílias envolvidas no
trágico episódio deixaram a cidade e a política e, Garanhuns perdeu um pouco o
curso da História, reiniciando nas décadas seguintes a retomada de suas
vocações econômicas.
Em
relação se a Hecatombe de Garanhuns contribuiu para a fama de coito de
pistoleiros, que assassem as pessoas das cidades, posso dizer que o episódio
repercutiu nacionalmente, mas na República Velha, em que predominou o
mandonismo político dos coronéis era habitual eles disporem de homens de confiança
e jagunços para impor sua força e controle do seu curral eleitoral. Era
recorrente acontecimento que culminavam em chacina devido as recorrente
disputadas. É Evidente, que no período denominaram o acontecimento como
resultado de uma política de aldeia, e de cidade violenta, e voltou à tona com
o assassinato do bispo Dom Expedito Lopes pelo padre Hosana. Outras brigas de
família também resultaram para essa fama, que foi sendo sobrepujada pela fama
de cidade das belezas naturais e do seu povo acolhedor.
Michel -
Como arquivista municipal seu trabalho contribui para a vocação de pesquisador
e documentarista?
Cláudio -
Comecei a atuar no arquivo municipal em 2013, não tinha experiência com o
trabalho de arquivamento, com as participações nas formações do Arquivo Público
Estadual Jordão Emerenciano e a ajuda dos colegas de trabalho eu pude
compreender a importância da preservação de documentos para a pesquisa. A
vocação de pesquisador como relatei surgiu quando iniciei as pesquisas sobre a
Hecatombe de Garanhuns, me valendo dos conhecimentos de metodologia de pesquisa
estudados durante a graduação de História na UPE. Mas, o trabalho como arquivista aguça essa
vocação de pesquisador e documentarista, pois estamos em constante contato com
a História.
Michel -
Você vem realizando uma série de entrevistas com escritores da cidade. Pretende
reuni-las em livro, proximamente?
Cláudio -
Há uma grande possibilidade futuramente, mas o objetivo primordial das
entrevistas foi divulgar o potencial cultural existente em Garanhuns, os nossos
escritores, músicos, artesãos, artistas plásticos, cordelistas, escultores,
enfim dar visibilidade a este celeiro de artistas da nossa cidade, trazendo
para o público um pouco de suas biografias e obras. Um trabalho memorial e de valorização
dos artistas da Terra de Simoa, que tem contribuído para divulgar a nossa
cultura em todo o país.
Michel -
Sei que você prepara, para muito breve, o lançamento de uma biografia
não-autorizada do cantor e compositor Roberto Carlos. Como você avalia o papel
do artista no contexto dos agitados anos 60 e 70?
Cláudio -
Desde a infância sou fã de Roberto Carlos, o livro nasceu a partir da ideia de
homenagear um amigo, que na minha infância levava os discos do cantor para
minha casa para ouvirmos na antiga radiola. O livro é uma biografia romanceada,
mas mantenho um compromisso com os fatos da vida artística do cantor sem criar
personagens fictícios, apenas a linguagem do gênero romântico e narrando a sua
trajetória artista dentro dos contextos culturais e políticos de cada década,
pois sua trajetória artística está envolvida em vários episódios da
historiografia brasileira, entre eles, a Era de Ouro do Rádio, o Regime Militar
e a Redemocratização. Por ser um livro da vida artística do cantor, não
realizei um trabalho de estudo de representações e simbolismo da obra musical
de Roberto Carlos. Quanto ao papel do
artista no contexto dos agitados anos 60 e 70, sabemos que Roberto Carlos não
foi um cantor de engajamento e muitos críticos e correntes da MPB o chamavam de
alienado, mas ele sempre se denominou apolítico, e permaneceu com o estilo
Iê-Iê-Iê, depois seguindo a bem sucedida carreira de cantor romântico, mas nem
por essa razão deixou de ter músicas censuradas como “Vida Blue” e de compor
canções que falavam do contexto, como “Dois e Dois” de Caetano Veloso, “Debaixo
dos Caracóis dos seus Cabelos” e “Imoral, Ilegal ou Engorda”, além de
participar dos grandiosos festivais da Record, onde a música de protesto tinha
um público politizado e ele chegou a cantar canções com temáticas sociais, como
“Maria e Cinzas”. No tocante, Roberto Carlos tem uma grande contribuição
cultural para o Brasil e América Latina, em termos musicais, mas em termos
políticos, o considero um cidadão, que não deixou de se posicionar ao cantar
algumas músicas em defesa do meio ambiente, contra as guerras, a união dos
povos, o progresso em detrimento da ecologia e dos valores da vida.
Michel -
Na sua maneira de ver, a Jovem Guarda foi um movimento cultural, social e
político? Ou só musical e comportamental?
Cláudio -
A Jovem Guarda surgiu na esteira musical do estilo dos Beatles e em minha
opinião desencadeou um movimento musical, cultural e comportamental. Musical
pela sua enorme aceitação no cenário musical brasileiro. Cultural porque surge
num contexto de valorização da Cultura de Massa, e comportamental, no sentido
de novos conceitos de comportamentos, uma revolução nas mudanças de linguagem,
moda e convenções morais da juventude. Na minha maneira de ver, a Jovem Guarda
não chegou a ser um movimento político, pois as composições falavam de namoros,
conquistas, carros e liberdades, mas não liberdades políticas diante da
repressão, não havia conceitos e ideias de ruptura, por isso havia tantos
posicionamentos de contestação dos cantores e cantores de engajamento contra
aquele estilo de música, os quais eles chamavam de alienante e americanizada,
que até resultou na marcha contra a guitarra elétrica ou passeata da MPB
ocorrida em São Paulo em 17 de julho de 1967 com o objetivo de defender a
música nacional contra a invasão da música estrangeira, em outras palavras
acabar com aquela festa de arromba.
Michel -
Vi que você também escreveu uma ficção sobre os fatos da Hecatombe. Como é ter
a licença poética para romancear acontecimentos tão trágicos? Acha que ajuda a
superar a tragédia ou esquecê-la?
Cláudio -
Quando decidi escrever um romance sobre a Hecatombe de Garanhuns, a minha
preocupação foi justamente não narrar o fato histórico muito distante da visão
da realidade do acontecimento, usei a linguagem poética apenas para criar um
personagem, o repórter Estevão, que chega a Garanhuns para fazer uma cobertura
da tumultuada eleição ocorrida na cidade e se depara com a notícia do
assassinato do coronel Júlio Brasileiro no Café Chile em Recife, e acompanha
todos os desdobramentos que desencadearam na lamentável Hecatombe. O episódio
era um dos fatos mais marcantes da história de Garanhuns, por isso priorizei um
romance que resgatasse o ambiente cultural, econômico e social de Garanhuns na
época, os personagens reais e os diálogos, com poucas alterações com base na
documentação pesquisada. A licença poética pede amenizar, ajudar a superar ou
esquecer determinado acontecimento trágico é uma tarefa difícil, para isso o
romancista terá que colocar o acontecimento histórico em segundo plano e criar
um roteiro que outra história de seus personagens tenha maior destaque.
Michel -
Cite os nomes dos historiadores que escreveram sobre a nossa terra, seja como
historiadores, cronistas ou escritores?
Cláudio -
Posso mencionar Alfredo Leite Cavalcanti, com sua obra História de Garanhuns,
Alberto da Silva Rego, escritor dos “Aldeões de Garanhuns”, Alfredo Vieira
autor de “Garanhuns do meu Tempo” e o professor Mário Márcio de Almeida Santos
que publicou “Anatomia de uma Tragédia, A Hecatombe de Garanhuns”, entres os
cronistas Rossini Moura, Humberto de Morais, João Marques dos Santos e
Luzinette Laporte e tantos outros que deixaram um grande legado para a
historiografia de Garanhuns. Atualmente temos uma nova safra de bons
historiadores e escritores, mas seria indelicado citar nomes e porventura
esquecer alguns desses autores e autoras que têm contribuído na produção de
excelentes trabalhos biográficos e históricos de Garanhuns.
Michel -
Qual a importância do Grêmio Cultural Ruber Van der Linden para a vida cultural
da cidade?
Cláudio -
O Grêmio Cultural Ruber Van der Linden foi fundado em 10 de fevereiro de 1949 e
funcionou durante 50 anos. Durante o seu período de atividades reuniu
escritores, jornalistas, poetas e historiadores, tornando-se uma das mais
honrosas instituições de Garanhuns e de relevante importância para os valores
culturais e literários de Garanhuns. Integrantes do Grêmio Cultural Ruber Van
der Linder fundaram a Academia de Letras de Garanhuns, criada em 17 de dezembro
de 1977, que seguiu com os objetivos de divulgar a cultura, literatura e
resguardar a história de Garanhuns e região.
Michel -
Por favor, relacione os títulos de suas obras já publicadas e diga se estão
disponíveis para a aquisição.
Cláudio -
“Os Sitiados – A Hecatombe de Garanhuns”, romance-histórico, Editora Bagaço,
2009; “República”, ficção, Editora Bagaço, 2012; “A Cobertura Jornalística da
Hecatombe de Garanhuns” Editora Livro Rápido, 2017. No momento não tenho
exemplares, mas em breve farei novas edições. Em produção “Roberto Carlos –
Detalhes de uma Vida”, romance-biográfico.
Michel -
Qual a sua relação com a Nova História Cultural?
Cláudio -
Considero todos os conceitos teóricos e metodológicos da historiografia
importantes para a interpretação e analise de fatos históricos, entre eles, A
Nova História Cultural, que tenho estudado bastante, e buscando aplicar alguns
dos seus conceitos no levantamento de fontes documentais e interpretação dos
fatos, principalmente porque a Nova História Cultura dialoga com outros campos de
saber, como a Antropologia, a Linguística, a Psicologia, a Arte e a Ciência
Política, além da relação de culturas distintas, atentando para os aspectos
discursivos e simbólicos da vida sociocultural, suas representações do
imaginário, da narrativa, ficção e sensibilidades, partindo da análise dos
produtores e receptores de cultura, imprescindível para a reformulação
conceitual e compreensão das mais variadas produções humanas, permitindo-nos
analisar um objeto de estudo por diferentes enfoques e ampliação de visão da
compreensão da realidade através das diferentes representações da sociedade.
Michel -
Muito obrigado pela gentileza de suas respostas nessa entrevista.
Cláudio -
Eu que agradeço imensamente pela oportunidade da participar dessa entrevista,
na qual pude falar um pouco do meu trabalho literário e do meu amor pela
História e a Literatura.
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