Por Cláudio Gonçalves
Filósofo, historiador, cientista político e professor permanente na pós-graduação de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, Michel Zaidan Filho, nasceu em Garanhuns em 1951. De ascendência sírio-libanesa, estudou nos Colégio Diocesano e Quinze de Novembro.
Formado em Filosofia Pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é Mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisa e escreve sobre partidos e movimentos de esquerda e teoria política contemporânea. É membro de vários conselhos editoriais. Coordena o Núcleo de Estudos Eleitorais Partidários e da Democracia. É coator de “Uma história do Marxismo no Brasil” e “América Latinha – História, Política e Revolução”.
Michel Zaidan é um filosofo
e historiador que traz um novo olhar para a História, a história do domínio dos
possíveis, da virtualidade, das nossas utopias, dos nossos sonhos, dos projetos
de alteridade social. É um dos poucos pernambucanos que assina regularmente artigos no site progressista Brasil 247
Segue a entrevista com o professor e cientista político, motivo de orgulho para Garanhuns.
Cláudio - O senhor pertence a tradicional família Zaidan que fez história em nossa cidade. Conte-nos em linhas gerais as suas origens e sua infância em Garanhuns.
Michel - O tronco principal da nossa família foi
o casal de sírio-libaneses: Tomé Simão Zaidan e Emília Cury, pelo lado paterno.
E o casal: Manoel Napoleão de Santana e Aurora Gomes, por outro. Família de
comerciantes por ambos os lados. Meu avô paterno veio originalmente para o
Brasil, em viagem de núpcias. Depois deslocou-se para Floriano (Ma), onde já
havia uma colônia de comerciantes árabes estabelecida por lá. Dai, veio para
Garanhuns (PE), em razão da excelência do clima (frio) e encontrou outros patrícios
árabes na cidade pernambucana. Em Garanhuns, abriu uma loja chamada “O Mar das
Meias” no estilo bazar\armário muito típica dos comerciantes árabes. Tiveram
inúmeros filhos, que seguiram a mesma profissão, com exceção das mulheres.
Entre estes, o meu pai Michel Cury Zaidan, que animou um estabelecimento
comercial intitulado “A Vantajosa”, na rua D. José, 35, durante 40 anos. Seus
filhos (três mulheres e dois homens) não deram continuidade à sua vocação.
Tornaram-se funcionários públicos - professores e burocratas da administração
fazendária nacional. Eu, Michel Zaidan Filho, depois de estudar nos colégios
religiosos da cidade, fui fazer o curso de Filosofia, na Universidade católica
de Pernambuco e me tornei professor de universidades públicas.
Michel - Sempre li muito na adolescência e na idade
adulta. Li romances policiais, livros de histórias encantadas, gibis, revistas religiosas e livros de
formação da juventude católica (“Diário de Denys”, “Johao Mohana e o “O
Pequeno Príncipe”). E livros de
filosofia: “As Moscas de Sartre e “Marx e a Religião”, ainda na época colegial.
Fui ativo participante dos grêmios estudantis e grupos de jovens católicos. Fui
também um voraz leitor de jornais. Obtive uma grande estimulação
multissensorial através do rádio e da televisão e de cinema, espaço de
sociabilidade privilegiado.
Cláudio - Sabemos que a sua primeira formação foi em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco. Quando o senhor passou a se envolver pelo campo de pesquisas filosóficas?
Michel - Este interesse nasceu ainda nos tempos do
colégio XV de Novembro, quando caiu em minhas mãos uma revista de divulgação
semanal, apresentando a obra de diversos filósofos contemporâneos. Com as
crises naturais da adolescência, perdi a fé e resolvi estudar filosofia, na
Universidade Católica de Pernambuco, cujo departamento ia passar por uma grande
mudança, com a chegada de padres canadenses, espanhóis e portugueses
simpatizantes da filosofia personalista cristã de Gabriel Marcel. Infelizmente
essa tentativa de renovação teórica foi truncada por conta de uma luta interna
entre tomistas e existencialistas que foi parar no 4. Exército. Muitos
professores foram interrogados, outros expulsos do país e os que ficaram,
enquadraram-se. Mas a semente germinou e levamos adiante nossos estudos, como
autodidatas. Estudei muito nesse período. Tínhamos a biblioteca do departamento
de Filosofia só para nós o dia inteiro, À noite, eram as aulas. Fui também
monitor de várias disciplinas do curso e granjeei muitas amizades, ajudando aos
colegas que não tinham tempo de estudar.
Cláudio - Depois da graduação em Filosofia, o senhor concluiu o mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas e Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo. Durante o mestrado em História estávamos nos Anos de Chumbo do Regime Militar. Como era nesse período o ambiente universitário? O senhor já participava de alguma atividade político-partidária?
Michel - Fui inicialmente para a UNB (universidade
de Brasília) que estava inaugurando a sua Pós-graduação em História do Brasil.
Era um curso, coordenado por um garanhuense da família Gueiros (David Gueiros),
que, aliás, me perseguiu muito. No bojo da grande greve estudantil que se abriu
em meados de 1977, fui preso e respondi a um inquérito feito pela polícia
federal, instalado para apurar influências partidárias na persistência da
greve. Nesta época - já era professor da Universidade Católica de Pernambuco -
mas não tinha nenhuma vinculação partidária. Tinha um conhecimento teórico de
algumas obras de Marx e Engels, Hegel, Sartre etc. Mas só isso. Meu
envolvimento partidário e sindical se deu na Universidade Federal da Paraíba,
onde passei 7 anos da minha vida. Foram os anos mais ricos do meu aprendizado,
convivendo com professores de toda parte do mundo (franceses, indianos,
argentinos, belgas, italianos, alemães) Aprendi muita coisa. E tive uma
militância sindical e partidária intensa.
A ida para a Unicamp foi depois que fui expulso da UnB por participação nas atividades estudantis. Fui recomendado a ir para Campinas, onde tinha um grupo de amigos que estudavam na Unicamp e moravam lá. Acolheram-me maravilhosamente. E isto me permitiu estudar para o ingresso na universidade paulista e, depois a me estabelecer na cidade. O período da Pós-graduação (mestrado) foi muito difícil. Havia uma luta interna entre os professores da Unicamp: uns eram trotskistas, outros comunistas. Eu fiquei no meio da discussão e tive que fazer o meu trabalho sozinho. Até a defesa foi trabalhosa: tive que montar a minha banca examinadora e me defender do próprio orientador. Mas me sai bem. A tese deu origem ao livro: Estado e Classe Operária no Brasil (2011).
Depois, fui convidado pelo
historiador Edgar Carone para fazer o doutorado, sob sua supervisão na USP.
Novo problema: Carone tinha se atribuído o papel exclusivo de ser o historiador
do Partido Comunista Brasileiro. para o que estava juntando um
farto material. Não queria dividir comigo essa tarefa. Ele me boicotou como
pode, sonegando materiais e se negando a acompanhar a evolução do trabalho. Por
ele, não teria feito o trabalho, porque não concordava com as minhas teses,
sobretudo as relações entre o PCB e a Internacional Comunista (IC) Concluído o
trabalho, negou-se a fazer a apresentação em livro, que foi publicado com o
mesmo nome: O PCB e a Internacional Comunista. O livro teve a apresentação de
Marco Aurélio Garcia, assessor especial de LULA para relações internacionais.
Dessa pesquisa, saíram ainda mais dois livros: Comunistas em céu aberto e o
PCB: nas origens da busca de um marxismo nacional. E duas coletâneas de
dirigentes comunistas (fundadores do PCB), uma sobre Astrogildo Pereira
(Construindo o PCB) e outra sob Cristiano Coutinho (Memória e História n.2),
além de inúmeros artigos e ensaios.
Cláudio - O senhor escreveu algumas obras sobre o PCB. Conte-nos um pouco a sua história com o partido.
Michel - Tudo começou na Unicamp, quando se dizia lá
que toda desgraça acontecida com a classe operária brasileira era culpa dos
erros do PCB. A partir desse anticomunismo de esquerda, fui investigar
essas acusações e cheguei a conclusão que eram falsas ou
produto da ignorância ou má-fé de que as fazia. Eram duas as teses principais:
o atrelamento político ideológico do PCB ao movimento comunista internacional e
a teoria da revolução democrático burguesa. Depois de muito pesquisar e
entrevistar antigos militantes demonstrei a falsidade ou incorreção dessas
teses: o PCB tinha vivido em relativo isolamento durante seus primeiros dez
anos e sua teoria da revolução se chamava “Teoria da Revolução Democrática
Pequeno-burguesa”, não burguesa. Depois tudo mudou. Deu-se a sujeição e a falta
de autonomia. O problema é que tinha
muita gente importante defendendo estas
ideias: Salvadori de Decca, Paulo
Sérgio Pinheiro, Kazumi Munakata, Italo
Arnaldo Tronca e outros. Essas pessoas não gostam de ser criticadas.
Depois que fui lecionar na Universidade
Federal da Paraíba, e depois na de Pernambuco, tive contatos mais próximos e
frequentes com militantes do partido que eram professores. Aprendi muito na
convivência com eles.
Cláudio - Um dos seus trabalhos que se destacam nas suas obras é a dissertação sobre o sindicalismo amarelo no Rio de Janeiro. Fale um pouco sobre esse estudo do movimento operário brasileiro.
Michel - É a minha dissertação de mestrado em História, feita na UNICAMP. O trabalho visa exatamente demonstrar a falsidade de que foi o PCB que havia atrelado o sindicalismo ao Estado. Ele prova que nos anos vinte, já havia um forte sindicalismo reformista que vivia nos braços da polícia e do governo federal. E era adversário dos comunistas. A pesquisa está publicada em livro Estado: Classe Operária no Brasil. Nos albores das lutas sociais no Brasil. Recife, NEEPD, 2013 Também escrevi sobre o sindicalismo anarquista e o comunista.
Cláudio - O escritor Michel Zaidan tem dezenas de livros publicados no
campo da Filosofia e da História, com temáticas que trazem um novo olhar sobre
os contextos político-social, humano e existencial. Em suas produções o senhor
busca um fazer histórico no qual os seus leitores possam captar o sentido, a
direção e as leis que determinam o movimento da História?
Michel - Meu caro amigo Claudio, o meu interesse
pela teoria e Filosofia da História aumentou enormemente quando deixei a Universidade
Federal da Paraíba e fui para a Universidade Federal de Pernambuco (1986) como professor de Teoria da História.
Lecionei essa disciplina uns 40 anos da minha vida. Vale lembrar que iniciei a
minha carreira docente em 1975, na Universidade Católica de Pernambuco, com a
disciplina Introdução aos Estudos Históricos. Mudei muito como professor de
Teoria. Eu era muito tradicional e exigia muito dos alunos. A reclamação era
geral e havia muita reprovação. Quando me mudei para Pernambuco incorporei ao
ensino da disciplina os conceitos da Teoria Crítica da Sociedade (A Escola de
Frankfurt) e enriqueci muito o ensino da matéria. Desse longo e profícuo
magistério saíram vários livros: “A História como Paixão”, “A Crise da Razão
Histórica”, “Circe e o Historiador”,
“Reflexões sobre a História” e “Leituras sobre Walter Benjamin”.
Cláudio - Na concepção do professor-escritor Michel Zaidan qual o perfil e olhar do novo historiador?
Michel - O novo historiador adota uma perspectiva
intersemiótica e intertextual. Chama para a sua disciplina o cinema, a música,
a poesia, a literatura, a filosofia etc. Dessa rica experiência, saiu um livro
intitulado: “O Palco da História” (interferências
dramático-histórico-literárias), com trabalho dos alunos. Recife, editora
universitária, 1992 Esta experiência me levou depois a publicar coletâneas com
os alunos de ensaios, artigos e resenhas: “Como se Escreve a História”,
“Ensaios de Teoria da História”, “Manifestações Operárias e Socialistas em
Pernambuco, no século XX”.
Michel - A nova história cultural é uma delas. Mas
tem várias direções: uma é representada pelo historiador americano Robert
Darnton, muito influenciado pelo antropólogo americano Clifford Gertez e a
descrição densa. A outra vertente é representada pelo italiano Carlo Ginzburg e
a circularidade da cultura. Tem também a influência francesa da Escola dos
Annales e a nova história. É a conhecida história das mentalidades e a história
da longa duração (Fernand Braudel). E é claro a sombra enorme de Michel
Foucault e suas várias fases: arqueológica, genealógica, disciplinar e a
bio-política. Existe uma grande tribo foucaultiano no Brasil. Mas a historiografia marxista persiste.
Cláudio - Quais os desafios dos historiadores e filósofos na nova ordem mundial e na recente fase política brasileira?
Michel - Enfrentar a barbárie, o obscurantismo, a
xenofobia e o fundamentalismo. A guerra fria foi substituída pela guerra entre
civilizações: a branca, cristã reformada e ocidental e a muçulmana. O Brasil
foi arrastado nessa avalanche, com o concurso das igrejas pentecostais e
neopentecostais, o ultra-liberalismo e o fascismo verde-amarelo das classes
médias urbanas, amedrontadas pela proletarização, Para piorar foi adotada uma
modalidade de bio-política, de darwinismo social, que condena os pobres,
miseráveis, velhos e deficientes à morte.
Cláudio - Qual a importância da literatura brasileira na construção do conhecimento histórico?
Michel - Fundamental. A literatura é uma
historiografia inconsciente, que o historiador psicanálise extrai a sua
significação racional. Não vejo como se pode ser bom historiador sem gostar de
literatura. O historiador tem como tarefa psicanalisar as imagens do desejo que
estão contidas no imaginário social (as imagens literárias) ou resgatar os
possíveis da história, que o literato tem a liberdade de apresentar.
Cláudio - Que gêneros literários fascinam professor-escritor Michel Zaidan?
Michel - Poesia, drama, história, romance policial,
filosofia.
Cláudio - O senhor tem uma rotina e conjunto de hábitos que antecedem a sua produção literária?
Michel - Leio muito. Assisto a filmes e programas
de debates. Fico colhendo durante a leitura expressões, ideias, frases,
pensamentos etc. A política também me inspira muito. Mas a predileção é a
Filosofia.
Cláudio - O senhor pretende ainda escrever algum fato específico de Garanhuns?
Michel - A história do socialismo em Garanhuns.
Militantes, partidos, ideologias, movimentos e lutas importantes.
Cláudio - Em breve teremos uma nova obra publicada de Michel Zaidan?
Michel - Sim. Já está no prelo. Não disse a ninguém. Vou dizer a você em primeiríssima mão: Uma coletânea de textos escritos durante a pandemia do Coronavírus, O inferno são os outros. (politica e sensibilidade em época de pandemia) já fui contratado por duas editoras de Curitiba, que me prometeram em até 3 meses publicarem o livro.
Cláudio - Agradeço por conceder essa entrevista, um momento de muito
conhecimento e aprendizado.
Michel - Eu é que agradeço essa oportunidade. Você tem prestado um serviço inestimável à cultura e as letras de nossa cidade.
Ele é formado em filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco
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