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Pesquisas Eleitorais

A TEORIA DO NEGATIVO


Por Michel Zaidan Filho

Pertence a Herbert Marcuse o título de ter resgatado o pensamento de Friedrich Hegel para a teoria política contemporânea. Após ser tratado como “cachorro morto” pelos epígonos do marxismo, Hegel reapareceu na cena contemporânea como um inspirador dos movimentos de contestação à ordem social instituída. Este mérito está associado a uma obra de Marcuse intitulada: Razão e Revolução. Argumentando em favor da Revolução Francesa e da crítica ao Positivismo, como justificação filosófica da ordem burguesa instaurada pela grande revolução social, o filósofo de Frankfurt afirmava que a grande contribuição de Hegel teria sido o resgate do momento da negatividade na dialética histórica, acentuando as contradições e as lutas sociais no interior da sociedade francesa pós-revolucionária. Onde Augusto Comte e seus discípulos enxergavam o triunfo do positivo, da ordem, da estabilidade e do equilíbrio, o velho filósofo via a contradição, a luta dos opostos e o movimento.

O momento do negativo – da dialética hegeliana – prosperou no pensamento filosófico dos autores frankfurtianos – Horkheimer, Adorno e W. Benjamin. A ponto se tornar uma dialética negativa ou da ambivalência. A sua importância hoje para os estudos históricos, literários e filosóficos é inegável. A dialética negativa rompe decididamente com o modelo triádico da dialético hegelo-marxista e nos ajuda a estudar a realidade de um ponto de vista mais rico e complexo.

É preciso dizer que esta dialética se inicia com uma profunda desconfiança em relação à totalidade, como categoria central do pensamento marxista. Daí a famosa frase do Adorno: “o todo é falso” e a valorização do fragmento, do particular, do indivíduo. É bom relembrar que o Sartre da “Crítica à razão dialética” e Merleau-Ponty “das aventuras da dialéticas”, tinham mencionados a conversão da totalidade no totalitarismo, na hermenêutica política estaliniana. A revalorização do indivíduo tem muito a ver com a chamada “lebenfilosofie” ou a filosofia da vida, desde Nietzsche, Dilthey e Bérgson. Os pensadores frankfurtianos foram muito influenciados por estes autores, antes do conhecimento da obra de Marx e Freud. Um autor alemão influente, embora estranho à escola, Martin Heidegger já tinha chamado a atenção para uma ontologia do fragmento ou do indivíduo, em contraposição à totalidade. Lembrar que Nietzsche tinha afirmado certa vez que a vontade de criar sistemas era uma forma de desonestidade intelectual.  Mas o filósofo de Pforta era um nominalista que desdenhava da filosofia e da ciência, em nome da vida. Repetindo Goethe, dizia “verde é a arvore da vida, cinzenta é toda teoria”.

A filosofia do negativo prosperou, partindo de Nietzsche até Horkheimer e Adorno – passando por Heidegger – até chegar na obra deste último: “a dialética negativa”, um tratado filosófico difícil de ler e entender. A dialética negativa mantém a dificuldade de tornar o mundo racional e humano (dada a recusa da chamada “razão instrumental”) e transfere a “promessa de felicidade” para um tipo de arte hermética, de acesso à compreensão das pessoas comuns (influenciadas pela “indústria cultural” ou a cultura de massas). A arte mais esotérica é entendida como o último refúgio da consciência crítica da sociedade, numa época em que a administração burocrática da sociedade invadiu todos os seus poros.  Da mesma forma como seu amigo Horkheimer (que apelou para a religião no fim da vida), Adorno vai se apegar com alta cultura, numa versão muito elitista, como garantia do “inteiramente outro”, a utopia de uma sociedade redimida.

Mas o filósofo alemão, ligado á teoria crítica, que levaria mais longe e fertilidade desse momento do negativo seria Walter Benjamin, na sua dialética da ambivalência, uma modalidade de dialética diática, que não conclui através da síntese, mas mantém uma tensão permanente entre os polos da contradição. Essa forma de dialética, que ele exercitou através de sua crítica literária da obra de Proust e Baudelaire, nos deu um método, um caminho rico e promissor de encarar a história, a arte e a filosofia, sempre enfatizando as múltiplas possibilidades do real. Para o historiador e crítico de arte, essa dialética seria um instrumento valioso de enxergar no mundo estabelecido, um  mundo virtual, prenhe de possibilidades latentes, à espera de um “messias ”-historiador ou hermeneuta que liberte essas virtualidades e instaure uma nova realidade. A riqueza e o poder de sedução  de tal método descortinou um mundo de promessas e caminhos para reinventar a vida e atualizar os sonhos de nossos antepassados.

*Michel Zaidan Filho é cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco.

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