Luís Costa Pinto é um dos maiores e melhores jornalistas brasileiros. Nasceu no Recife e já trabalhou nos principais veículos da mídia nacional. Já foi filiado ao PSDB, votou em eleições anteriores em Mário Covas, Ciro Gomes
e Marina Silva.
Hoje ele fez uma profunda
reflexão sobre o atual momento político brasileiro e escreveu um texto maravilhoso, divulgado em sites do Sudeste, sobre o
porquê do seu voto, neste dia 7 de outubro, em que está em jogo o futuro do país e da própria democracia.
Leia cada palavra, cada frase, usando todo seu o intelecto, a
razão. E que Deus ilumine os brasileiros para que sigam pelos caminhos da paz, do
amor e da esperança em dias melhores:
O
texto do jornalista Lula Costa Pinto:
O ambiente político do Brasil
de 2019 será necessariamente conflagrado. Não é necessário ser astrólogo ou
vidente para antever isso. Numa analogia, nós cidadãos livres e democratas
brasileiros podemos nos sentir como os heróis aliados que desembarcaram na Normandia
em 1944.
Do mar, miravam tensos e cheios de coragem a França ocupada pelos
nazistas e por franceses colaboracionistas. Muitos morreram como alvo, ainda
nos paraquedas. Milhares morreram na praia. Escondidos em bunkers e casamatas,
os apoiadores de Hitler se sentiam onipotentes e inexpugnáveis. A libertação da
Europa começava ali, e naquele desembarque escreveu-se uma página memorável da
liberdade.
Pela primeira vez na história de nossa República chega-se ao dia
da eleição tendo-se a certeza de que o resultado do voto popular pode estar
contaminado por um veneno capaz de matar a própria democracia –no nosso caso,
tisnada já pelo golpe parlamentar de 2016 que apeou do poder uma presidente sem
a caracterização clara de crime de responsabilidade. Nem com Jânio Quadros, em
1960, nem com Fernando Collor, em 1989, o enredo transcorreu dessa forma.
Ícones da direita brasileira e igualmente desprovidos de coluna
vertebral política, assim como Bolsonaro, Jânio e Collor se elegeram a partir
de discursos populistas e embalados por uma esperança difusa da população. Mas
ao menos projetavam esperança. Nenhum dos dois completou o mandato. Um
renunciou dizendo enxergar inimigos ocultos e bruxas em Brasília. O outro foi
cassado por corrupção.
Nem Collor nem Jânio gozavam de prestígio entre os operadores da
política. A política exige operadores frios, experientes, republicanos e
democratas –assim como o direito também os exige e os tem.
Neste 2018, que é ano par de uma estranheza ímpar, o radical de
extrema direita politicamente amorfo, posto ser desprovido de espinha dorsal no
sistema, chama-se Jair Bolsonaro e não projeta esperança alguma –só ódio e
preconceito. Prega medos difusos e é defendido por espertalhões travestidos
pelo manto bíblico do fanatismo religioso.
A renúncia de Jânio Quadros lançou o país numa conflagração que
terminou no golpe militar de 1964 e na longa noite de 21 anos da ditadura
militar, em que pese a habilidade política de Tancredo Neves, o respeito que se
tinha a San Thiago Dantas, a sofisticada costura política de Juscelino sentado
em sua cadeira de senador. Todos eles foram fiadores, em algum momento, da
presidência de transição de João Goulart (que também não era nenhum extremista).
A cassação de Collor, ao contrário, converteu-se na confirmação
dos acertos de nossa consolidação democrática. O vice-presidente Itamar Franco
assumiu a Presidência com seu ar de parvo, seu comportamento de outsider, mas
se revelou um régio cumpridor dos compromissos para com a Constituição e a
restauração política. Itamar dispunha de interlocução profunda no Congresso,
pontes com os sindicatos e a sociedade civil e gozava ao menos do respeito com
ar blasé do Judiciário.
Não é assim agora.
Sem projetar esperança alguma, sendo o canhão tosco e
desconcertante de ódio que não esconde ser, Jair Bolsonaro não possui aptidão
para o necessário jogo do poder. Não goza nem da confiança, nem do respeito dos
demais poderes da República. Não inspira liderança aos seus, longe disso:
desperta o senso de oportunidade em gente que jamais alcançou o respeito em
seus habitats naturais e agora enxerga o atalho da proximidade com o candidato
melhor posicionado nas pesquisas de intenção de voto como caminho para a glória
–é o caso de Onyx Lorenzoni, Magno Malta, Gustavo Bebianno, Hamilton Mourão,
Silas Malafaia e os filhos do presidenciável. Quanto a Paulo Guedes, o mercado
financeiro, onde se criou, sabe a dimensão mitômana de sua alma.
Fernando Haddad é a negação a isso. Não é preciso ser petista para
se tornar eleitor dele –e esse, a propósito, vem a ser meu caso.
A única filiação partidária que tive, aos 19, 20 anos, foi ao
PSDB. Depois, a vida profissional obrigou-me a esquecer qualquer pretensão de
ter vida partidária.
Nas 7 eleições presidenciais que tivemos desde 1989 votei 3 vezes em
candidatos que não eram do PT –Mário Covas (1989), Ciro Gomes (2002) e Marina
Silva (2014, em homenagem ao meu amigo Eduardo Campos)– nos primeiros turnos.
Sempre encarei o 2º turno como aquilo que ele deve ser: o momento da depuração
dos projetos, da construção do encontro da sociedade com a proposta política
acordada nas urnas que a pautará nos 4 anos seguintes.
Haddad, homem de sólida formação tanto acadêmica quanto na lide
democrática, tem uma virtude hoje escassa entre os políticos de proa: sabe ouvir
o outro. Discordando, sabe explicar as razões da discórdia. É do tipo que opta
por caminhos vislumbrando e analisando os cenários que poderão vir em revés.
Seu diapasão intelectual permite-o reunir à sua volta
personalidades díspares como os economistas Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, mas
também Laura Carvalho e o cientista social Celso Rocha de Barros. Ele senta à
mesa com Guilherme Boulos e com os empresários Josué Gomes da Silva e Walfrido
dos Mares Guia. Dialoga com Lula e com Fernando Henrique Cardoso sabendo ouvir
de cada um desses ex-presidentes o melhor que têm a dizer –filtrando-lhes os
exageros e os partidarismos. São só exemplos, e esses paralelos podem ser
elencados e reproduzidos à farta.
Ao escolher Emídio de Souza como interlocutor central com o PT
"de raiz", afastando-se paulatinamente de nomes que mais estreitavam
e atrapalhavam o diálogo com núcleos mais amplos e não petistas da cena
política, Haddad revelou uma habilidade de iniciado. Não se mostrou um
iniciante aventureiro e arrivista.
Emídio é hoje, no PT, a ponte mais sólida entre o passado que
precisa ser restaurado e procura os caminhos legais e institucionais para isso,
e o futuro que urge ser construído. Nisso, faz dupla com Jaques Wagner, que
deve ser eleito senador pela Bahia e terá mais tempo para se dedicar à campanha
presidencial a partir daí. Wagner é também um dos mais amplos quadros desse PT
que representa, inegavelmente, uma considerável parcela dos anseios dos
brasileiros.
Tenho certeza que nas 3 semanas de campanha que teremos no 2º
turno, numa disputa entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, as qualidades do
candidato do PT serão realçadas ante à ausência de requisitos políticos, morais
e intelectuais do ex-capitão do Exército.
Será o momento não só de a maioria do eleitorado brasileiro
descobrir que o ex-prefeito de São Paulo é o melhor quadro de sua geração
–disputava esse posto com Eduardo Campos– e representa tudo aquilo que desejam
os cidadãos ansiosos por escutar alguma autocrítica do PT antes de dar
novamente um voto a um petista.
Haddad, por formação e por convicção, não reproduzirá erros
partidários. Não fez isso na Prefeitura de São Paulo nem no Ministério da
Educação. Foi essa atitude rígida que dificultou seu trânsito inicial dentre os
nomes mais antigos do partido.
Haddad possui duas qualidades que Fernando Henrique Cardoso
gostava de citar, nos preâmbulos de suas entrevistas no Palácio da Alvorada,
como inexoráveis aos candidatos a estadistas: saber rir de si mesmo e diminuir
o tamanho das crises quando elas entram em seu gabinete.
Imaginar que alguém será capaz de sufragar o arrivismo estreito,
obtuso e obscurantista de Jair Bolsonaro tendo à disposição a biografia e o
espírito amplo e aberto de Fernando Haddad é algo que entristece e choca.
O candidato petista é quem tem a melhor estrutura, o maior preparo
e a frieza necessários para contemplar a praia e o teatro de operações depois
dos combates que serão travados entre 7 e 28 de outubro e desarmar as minas e
as bombas ativadas pelos antagonistas em conflito.
Os aliados que desembarcaram na Normandia, em 1944, eram
britânicos, americanos, canadenses, australianos, franceses e italianos
arregimentados na resistência, um ou outro holandês ou belga foragido. Como
aqui, hoje, o desembarque nas urnas desse 7 de outubro vale ser feito sob
qualquer bandeira. Ele não pode ser feito, contudo, sob a bandeira do ódio, da
misoginia, da violência, do retrocesso arregimentados por um único candidato
que fugiu do debate político e quer ser ungido em nome do medo.
O que os uniu os aliados no passado foi o espírito democrático e a
gana por lutar até o fim para derrotar o mais bárbaro dos inimigos. Uniram-se
para vencer a maior ameaça já enfrentada pela humanidade até aquele momento:
Hitler.
Guardadas as proporções, mas com os mesmos sinais de alerta
ligados porque o histrionismo boçal de Bolsonaro é um arremedo tupiniquim e
bissexto do hitlerismo, qual um Führer de hospício, confio fortemente na
aliança dos democratas de diversos matizes até a vitória da democracia e da
liberdade em 28 de outubro.
Voto em Haddad desde o 1º turno, e confirmarei esse voto no 2º
turno, porque vejo nele a reunião de qualidades escassas em muitos políticos.
Além disso, é o antagonista de um outro candidato que significa ameaça real e
objetiva às nossas conquistas democráticas. Fernando Haddad projeta esperança.
Seu adversário, ódio, divisões, rupturas.
*Imagem: Site Vou Passar.Club

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