Por Aldo Fornazieri
Muitos brasileiros têm deixado o Brasil por não verem
perspectivas no país. Pessoas da classe média se mostram preocupadas com o
futuro dos seus filhos e netos numa nação sem rumo, governada por um governo
ilegítimo e corrupto, enquanto a mídia e setores do judiciário não colaboram
para que a nação avance e se liberte do estágio atrasado em que foi aprisionada
por uma elite egoísta e desinteressada num mínimo de igualdade social.
O artigo do professor Fornazieri, que transcrevemos abaixo, é uma
aula de história e de política, que ajuda a refletir sobre a triste realidade
que estamos vivendo.
Leiam e
repassem para os que não têm preguiça de pensar:
Ao se estudar a história particular de cada país se verá uma
variedade de situações e de circunstâncias que aproximam algumas e distanciam
outras. Uma dessas situações diz respeito ao fato de que alguns países são
inovadores, conseguem superar as condicionalidades de um passado difícil e se
modernizam com igualdade, justiça e progresso, enquanto que outros não
conseguem se desenvolver e permanecem prisioneiros das determinações do passado
e se tornam cativos da desigualdade, das injustiças e do atraso. O Brasil,
certamente, é do segundo tipo. Aqui o passado determina o presente e bloqueia o
futuro e os mortos governam os vivos.
O mais
provável é que existam muitas razões para o triunfo do atraso e das
determinações do passado no Brasil. Aqui, apontar-se-á apenas uma: o
problema da fundação, da gênese. Maquiavel, ao estudar o grande historiador de
Roma antiga, Tito Lívio, assevera que as repúblicas mal fundadas tendem a
permanecer extraviadas ao longo dos séculos, como que buscando um caminho na
escuridão, e procuram encontrá-lo através da promulgação de um cipoal
infindável de leis, pensando que estas podem consertar a realidade, mas que
sequer entram em vigor. As décadas e os séculos passam sem que esta república
encontre a sua verdade, sem que o povo esteja ao abrigo das misérias humanas e
sem que a justiça, a igualdade e a liberdade sejam frutos acessíveis para a
generalidade das pessoas.
Ainda de
acordo com Maquiavel, com base em Tito Lívio, as repúblicas bem fundadas são
aquelas que nascem de um ato de terror fundante, no qual, o arbítrio dos mais
fortes é passado no fio da espada para fundar a validez da lei originária,
alicerçada nos princípios da igualdade e da justiça. De tempos em tempos, esse
ato precisa ser renovado com a punição exemplar daqueles que tentam violar ou
corromper estes princípios. Sem este ato, os mais fortes não terão freios e
exercerão o arbítrio, a dominação e a violência sobre os mais fracos.
Maquiavel
vê atos de terror fundante exemplares em Moisés, quando desceu do monte Sinai e
mandou passar no fio da espada 22.200 homens por terem implantado a desordem;
em Ciro, ao se revoltar contra os medas e fundar o império Persa e em Rômulo,
ao matar Remo para garantir a fundação e a segurança de Roma. Modernamente
podemos ver esses atos nas Guerras de Independência e de Secessão dos
americanos, na Revolução Francesa, na Revolução Cubana e assim por diante.
Na
história do Brasil, o poder político e suas formas constitucionais e jurídicas
sempre foram produtos do trabalho usurpador das elites econômicas e políticas e
expressão de seus interesses. Em nenhum momento dos processos fundantes desse
poder o povo foi partícipe enquanto sujeito e sempre teve seus interesses e
direitos excluídos dos arranjos legais e constitucionais que se efetivaram ao
longo do tempo. Notadamente, a Independência se revestiu de uma transformação
perpetrada por segmentos que representavam os interesses da metrópole e a
Proclamação da República assumiu o caráter de um golpe do qual, o povo,
bestializado, nos termos de Aristides Lobo, não participou e sequer compreendeu
o seu significado.
No
Brasil, o povo nunca foi soberano, a lei nunca foi igual, a democracia nunca
existiu para a grande maioria das pessoas pobres. As tentativas de refundar o
fundar o Brasil, primeiro com Getúlio Vargas e, depois, com Lula, foram
atacadas pela ação corrosiva das elites, por guerras políticas sem escrúpulos e
sem quartel, pela violência, pela traição e por golpes que visaram perpetuar a
ordem da dominação do passado, manter o presente do povo na miséria e
interditar o futuro.
Se o
Brasil é um país sem presente por conta de todos os males que assolam o povo -
desemprego, falta acesso aos serviços de saúde, falta de educação, salários
baixos, falta de cultura e de lazer, pobreza, preconceitos, falta de direitos,
violência etc. - os dados da Revisão 2018 da Projeção da População do Brasil,
divulgados na semana passada pelo IBGE, confirmam que o país não terá futuro.
O
presente do Brasil é trágico, sem dúvida. Mas o seu futuro poderá ser ainda
mais trágico. O país está envelhecendo de forma mais rápida do que se pensava.
Em 2039, o número de pessoas com mais de 65 anos será superior ao número de
crianças e jovens com menos de 15 anos. Em 2060, uma de cada 4 pessoas terá
mais de 65 anos.
O problema
é que o bônus demográfico evaporou: os jovens de hoje envelhecerão sem
oportunidades, sem emprego, sem qualificação, sem poupança e, provavelmente,
uma previdência razoável. Serão velhos, pobres e sem assistência e sem
direitos. Os jovens de hoje e o sistema de trabalho de hoje não estão nem
bancando sequer a previdência de hoje. O Brasil ocupa o sétimo lugar entre os
países que mais matam jovens no mundo. Em todos os sentidos, o Brasil está
queimando, dissipando, o seu futuro. Os jovens mesmo estão dominados pela
ideologia do consumo. Não poupam e não se previnem. Não imaginam que amanhã
poderão cair e que ninguém lhes dará a mão para se levantarem.
O Brasil
está envelhecendo sem a infraestrutura adequada para o progresso e sem a
infraestrutura para a velhice. As cidades, os transportes, o sistema de saúde,
o sistema previdenciário, a mobilidade urbana, as estruturas de comércio, nada
está preparado para um país com forte presença de pessoas idosas. Sequer níveis
satisfatórios de saneamento básico existem.
O pior
de tudo é que, a partir do golpe, o Brasil está andando para trás. O governo e
o Congresso golpistas estão empenhados em destruir políticas e programas que
vinham contribuindo com a redução da pobreza e com a sustentabilidade
ambiental. Governo e Congresso estão dominados por grupos criminosos, a exemplo
do agronegócio, grupo que não tem nenhuma consideração com a dignidade humana e
com a sustentabilidade ambiental, com o futuro dos brasileiros e com os
brasileiros do futuro.
As
diferenças entre ricos e pobres se tornam cada vez mais abissais, tenebrosas,
terríveis. As exclusões históricas, de raça, de gênero etc., se aprofundam e
políticas inclusivas, ou são extintas ou têm os recursos calcinados. Se as
pessoas pobres já não tinham acesso a hospitais, hoje não têm acesso a médicos.
Vivem doentes e morrem sem atendimento. Estamos entre os países mais violentos
e desiguais do mundo. O Brasil está sob a égide de elites econômicas e
políticas criminosas, perversas, cruéis.
Um dos
poucos brasileiros que tem a força, a coragem e a sensibilidade para bloquear
esse processo de destruição do presente e do futuro do Brasil está preso em
Curitiba. Os interesses que prenderam Lula e que querem impedir que ele seja
candidato à presidência da República são os interesses que massacram o povo,
que espezinham a sua dignidade, que decepam o seu presente e o seu futuro.
O povo
precisa alimentar um temor terrível dessa monstruosidade que está sendo feita
contra ele. Este temor, que deve ser o temor pela vida desgraçada que leva à
morte, precisa despertar a clarividência da razão. Da razão que ilumina e que
desperta a consciência de que não há motivo para não lutar. Aliás, de que o
principal motivo da vida, agora, é lutar. E aqueles que têm consciência
precisam fazer apelos por corações irados, por organizações de irados, pela
força de gente irada. As lideranças precisam fazer apelos pela indignação e
pela fúria. É preciso organizar a fúria. Não dá para tratar com bons modos uma
elite que trata o povo com brutalidade.
Os métodos
tradicionais de luta não comportam mais a urgência de um agir mais contundente
e corajoso. A vastidão da tragédia do povo brasileiro deve ser o metro das
novas lutas. E que essas lutas, entre outras coisas, sejam capazes de arrancar
Lula dos calabouços de Curitiba. É preciso consolidar a ideia de que se não
querem deixar que o governo legitimamente eleito de Lula dê ao povo o que é
direito seu, o povo tem o direito de buscar o que é seu com suas próprias mãos.
Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
*Fonte: https://jornalggn.com.br/
*Imagem: ETC Blog
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