Por Michel Zaidan Filho*
Para os propósitos dessa breve apresentação, iremos
sintetizar a evolução político-cultural da Cidade de Garanhuns em cinco
períodos – que correspondem grosso modo
à própria evolução política do País e
particularmente, a evolução das relações entre a União e seus entes subnacionais, em diversas conjunturas críticas
da história nacional.
-Primeiro
período, das origens até a hecatombe de 1917.
-Segundo
período, da hecatombe de 1917 até o golpe do Estado Novo
-Terceiro
período, do golpe do Estado Novo (e a chegada de Agamenon Magalhães ao poder) à
redemocratização.
-Quarto
período, da redemocratização até o Golpe de 1964
-Quinto
período, da redemocratização até hoje, passando naturalmente pelo fim do regime
militar, os prefeitos eleitos nessa época, a luta pela volta do estado de
Direito etc.
I
II
A luta de famílias – tão
comum no interior do Brasil – não deve obscurecer o significado mais profundo
desses trágicos acontecimentos.
Tratou-se de uma grande ruptura no
padrão dominantemente agrário e rural da política local, rumo à hegemonia dos
coronéis urbanos, assentados na cidade, grandes exportadores, beneficiadores de
produtos agrários ou simplesmente comerciantes. Com a vitória destes últimos, a
cidade ganhou um novo impulso urbanístico que coincide com a chegada de muitos
imigrantes estrangeiros: holandeses,
sírio-libaneses, italianos, franceses etc; com a chegada da estrada de
ferro (Great Western) e naturalmente com o estupendo crescimento e apogeu da
cafeicultura na região, em razão do
clima temperado e do solo fértil.
O auge desse período é o ano 1936, com uma
multiplicidade de jornais, grupos dramáticos,
correntes políticas, teatros, orquestras e uma onda de modernização das
atitudes, os comportamentos sociais, a fala, a roupa, o lazer, a ostentação de
bens de consumo duráveis etc. (ver o Almanaque
de Garanhuns, de 1936, com ricas ilustrações de Ruber Van Der Linden). A figura ímpar desse momento de exuberância
social, econômica e cultual da cidade foi o engenheiro e animador cultural
Ruber Van Der Linden. Homem dotado de muitas qualidades intelectuais e de viva
curiosidade foi ele o autor de inúmeras iniciativas importantes, como o parque
ecológico, o grêmio cultural, os almanaques de Garanhuns, os primeiros esboços
históricos da cidade e muito mais. Nunca mais experimentaria a nossa cidade um
tal desenvolvimento cultural, a par do auge da cafeicultura e da influência
modernizadora da infra-estrutura urbana que ela nos legou.
III
Este último período se encerra
com o Golpe do Estado Novo, em 1937, e a chegada em Pernambuco do
“agamenonismo” – o interventor de Getúlio Vargas em nosso estado. Esse
acontecimento provoca uma nova ruptura na história da cidade, pela inaudita
centralização política trazida pelo interventor e pela rede de apoio dos coronéis
interioranos a Agamenon Magalhães, que funda o PSD. É também o período das interventorias municipais, com prefeitos
indicados e nomeados em função das alianças locais e estaduais. Curiosamente, a
cidade teve a sorte de contar com a ação de homens que foram verdadeiros
empreendedores urbanos, embora a vida política e cultural tenha sido abafada
pelo clima policial e arbitrário do novo regime. Nomes como Mário Lira, Celso
Galvão Euclides Dourado e outros
contribuíram muito para o desenvolvimento urbanístico da cidade, com grandes
obras públicas, melhoramentos urbanos, novos bairros, parques, logradouros e
avenidas.
IV
V
VI
Finalmente, chegamos aos
dias de hoje. A consideração de um
modelo político-cultural adequado para uma cidade como Garanhuns não pode prescindir, primeiro, do processo de esvaziamento econômico da cidade,
marcado pela extrema concentração de renda e o monopólio
da atividade comercial do município. A acanhada estrutura econômica da cidade
(que parece dar sinais de mudança) pesa naturalmente sobre a riqueza ou a
pobreza da vida cultural. A opção por transformar a cidade numa estância hidromineral
de vocação turística e comercial, com um calendário de eventos musicais anual, financiado pelo governo do
estado, no bojo de uma incapacidade fiscal e tributária dos municípios
brasileiros, a falta de autonomia administrativa em que vivem grande parte das
pequenas e médias cidades, faz de Garanhuns uma região de vida cultural
induzida e artificial, ao contrário de outros municípios pernambucanos. É como
se a nossa cidade não tivesse uma identidade cultural definida, bem demarcada,
a despeito dos inúmeros valores humanos e intelectuais, das inúmeras
faculdades, excelentes colégios confessionais, igrejas, clubes etc. A nossa
cidade ainda é tributária de uma programação hegemonizada pela capital do
estado e outras cidades de porte médio
de Pernambuco.
Essa fraqueza pode e
deve ser combatida: primeiro por iniciativas da própria sociedade civil e suas
organizações, seus intelectuais, seus artistas, seus professores, seus líderes
comunitários, religiosos e econômicos. Ou seja, não se deve esperar do governo
ou de outros essa valorização da autoestima da cidade. Mas isso só pode ser
feito com o fim desse cosmopolitismo estéril, vazio, empobrecedor das elites
que dominam a cidade. Este descompasso entre
este nefasto papel descivilizador
e descomprometido das elites e as nossas potencialidades locais é
responsável por uma cultura de alienação e pouco respeito e reconhecimento dos nossos
valores. A tarefa política e cultural de consertar tal desequilíbrio é de
todos quanto almejam o desenvolvimento
urbano integrado local, com um viés distributivo, justo, inclusivo, mais
voltado para a recuperação da autoestima dos cidadãos e cidadãs garanhuenses.
Há muito que fazer neste terreno. É tarefa das faculdades, das escolas, das
igrejas, dos clubes, das organizações não governamentais, dos líderes
comunitários, dos partidos políticos, dos artistas e intelectuais, dos animadores culturais, do
povo de Garanhuns.
Historiografia - O primeiro livro escrito sobre a nossa
história é o do professor João de Deus, da Universidade Rural de Pernambuco.
Traz fotos das índias cariris e outras informações importantes. Mas não é obra
de historiador. O segundo e de um diletante chamado Alfredo lLeite e tem uma
importância documental muito grande. Mas está muito longe de ser uma história
da cidade. O primeiro livro nesse gênero é o do historiador Mario Marcio e é
sobre a hecatombe de 1917, não tem a abrangência necessária. Uma leitura dos
almanaques, organizados por Ruber Van der Linden é importante. O vídeo feito
sobre a hecatombe por Clóvis Manfredini é muito interessante.
*Michel Zaidan Filho, natural de Garanhuns, é professor da Universidade Federal de Pernambuco, no Recife.
*Imagem reproduzida do Blog de Anchieta Gueiros.
Isso não é uma apresentação, mas uma demonstração didática bastante detalhada de um tema político cultural apresentado por um intelectual que tem raízes e profundo conhecimento de causa da cidade onde nasceu. De A a Z, o professor Zaidan, discorre com muita leveza e precisão quando destrincha tim tim por tim tim nesse tratado ora apresentado que serve de consulta e de pesquisas para as gerações futuras.
ResponderExcluirPOIS BEM!!! No tocante à Hecatombe de Garanhuns, todos nós hão de convir que aquele acontecimento trágico foi nada mais nada menos do que a leitura sinistra do evangelho da truculência e da estupidez. Truculência esta, abarrotada de presunção e agressividade sem similares, aliás, só equivalente as barbaridades da Idade Média. Naquela circunstância, 1917, comparo o Capitão Sales Vila Nova como um Don Quixote numa Espanha caótica.
A Hecatombe de Garanhuns refletiu como um badalar tristonho de sinos de finados nesta aldeia movida por ódio e vingança. A mulher de Júlio Brasileiro, Anna Duperon (que morreu aos 94 anos de idade) e o irmão de Júlio, Eutíquio brasileiro(que morreu aos 79 anos), foram os estopins daquele plano sinistro com severos requintes de perversidade.
As canibalescas cenas daquela neurose coletiva, se deu por conta do poder político a partir do momento, donde, em nível de Estado, se duelava o ROSISMO versus DANTISMO. Ou seja, a derrota do Senador Rosa e Silva para o Governador eleito Dantas Barreto; em nível local, o JARDINISMO versus JULISMO, o duelo entre as famílias Jardim & Brasileiro.
A Hecatombe transformou-se num espetáculo de tristeza saída das penumbras da desilusão que descambou numa verdadeira carnificina, levando um lado das mulheres garanhuenses a se vestirem ou cobrirem-se com o véu da viuvez. Na verdade, a Hecatombe de Garanhuns transmutou-se numa aldeia movida a ódio e sangue, ou seja, a HECATOMBE DE DEZESSETE foi um açougue de sangue humano...
RERRATIFICAÇÃO: - Leia-se NÓS HAVEMOS em vez de NÓS HÃO...
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