Do jornalista Paulo Moreira Leite:
Apenas uma anestesia nacional pode
explicar o tratamento burocrático, próximo da indiferença, diante da bomba que
explodiu na porta da garagem do Instituto Lula.
Compreende-se que parasitas que
torcem desesperadamente por um possível golpe de Estado para afastar um governo
eleito democraticamente tentem fingir que nada percebem e nada enxergam. É seu
papel no jogo: desarmar, esconder, mentir. Tentam esconder o jogo sujo -- sem
deixar de fazer sua parte.
Mas a bomba é um fato gravíssimo, por
mais que nossa memória sobre esse tipo de violência não ajude muito, porque
conta histórias de outra época.
O atentado do Rio Centro, planejado
para ser um brutal ataque terrorista a um show com milhares de pessoas num 1º
de maio de 1980, acabou dando errado – para sorte de todos. A bomba
explodiu antes da hora, e quem morreu foi um sargento do DOI, que a carregava
no colo.
Mas, na mesma época, uma bomba
enviada por carta a OAB matou Lyda Monteiro da Silva, secretaria de Eduardo
Seabra Fagundes, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil. Outros ataques ocorreram. Um deles chegou a ferir seis pessoas ligadas
ao jornal Tribuna da Luta Operária, ligado ao PC do B.
A bomba que explodiu no
Instituto Lula difere-se das anteriores por um elemento básico – a conjuntura
política.
As bombas de 1980 eram uma ação do
porão militar colocado na defensiva pelo processo de democratização. Após uma
década e meia de ditadura, o movimento de resistência ao regime dos generais
havia recobrado seus direitos. Apesar da repressão, da censura, da falta de
liberdade, os candidatos do regime eram vencidos vergonhosamente em todas as
eleições realizadas depois de 1974. Os estudantes tinham voltado às ruas, em
1977, e, no ano seguinte, a partir do ABC, os trabalhadores deixavam claro que
não iriam suportar em silêncio os ataques a seus salários e seus direitos.
Naquela conjuntura, as
bombas eram a reação de quem marchava contra a vontade nítida dos brasileiros,
numa operação destinada, no melhor dos casos, a tentar retardar um processo que
poderia ser atrasado mas dificilmente seria impedido.
Era o povo no sentido político –
inclusive empresários – que rejeitava a ditadura, condenava a tortura, cobrava
direitos e pedia democracia. Dois anos depois, a oposição ganhava os governos
nos principais estados brasileiros. Em 1984, as diretas levavam multidões às
ruas.
Ainda que tenha sido um
artefato caseiro, bomba que explodiu no Instituto Lula surge em outro
momento histórico e é de uma agressividade política brutal.
Não me lembro – e acho que em poucos
países isso já tenha acontecido – de um atentado contra o local de trabalho de
um ex-presidente da República, que deixou o governo com recordes de aprovação
popular, que ali comparece sempre que está em São Paulo, recebe convidados
e amigos, despacha com assessores e troca ideias.
A bomba da noite de quinta-feira tem
a ousadia inaceitável de um ataque à democracia. É uma ameaça a direitos
duramente conquistada pelos brasileiros, num processo, não custa lembrar, que
teve em Lula um protagonista raro e, em certa medida, insubstituível.
A experiência ensina – e Jânio
de Freitas recorda – que com bomba não se brinca. Sempre será um risco,
uma ameaça de morte.
Embora tivesse um endereço específico
-- e que endereço! -- a bomba da semana passada era um crime que se dirigia a
todos, inclusive eu e você, quem podia estar perto e quem só viu a fotografia,
a quem estava passando na rua, a quem poderia estar no instituto naquela
hora.
Justamente Pelo caráter universal, a
bomba tinha um alvo genérico: intimidar autoridades responsáveis pela defesa da
Constituição, que juraram defender nossos direitos e liberdades.
Este é o alvo.
Querem paralisar quem tem o dever de
agir. Quem pode e deve. Há novos protestos de caráter golpista na agenda, e a
bomba se insere nesta paisagem.
A intimidação, não custa recordar, é
um ato peculiar das lutas políticas. Não envolve, num primeiro momento, a
derrota do adversário. Cobra sua anuência, concordância, mesmo silenciosa. Uma
certa covardia, vamos combinar, por mais que seja disfarçada de desprezo
arrogante pelo perigo.
A derrota total, absoluta, vem
depois. Antes, é preciso uma certa cumplicidade com a própria desgraça, um
fingir que não está vendo.
As hordas fascistas de Mussolini
passaram o ano de 1922 explodindo bombas em prefeituras e pequenas cidades da
Itália. Dissolviam sindicatos de trabalhadores, invadiam locais de reunião.
Agrediam, batiam. Matavam. No fim o ano, Mussolini tornou-se primeiro ministro.
O plano dos fascistas, era derrubar um
governo de maioria parlamentar pela intimidação e seu método era o
sangue. Conseguiram.
As lideranças que formavam o governo
resistiam a tomar qualquer providência drástica, inclusive quando generais com
liderança real no Exército se ofereceram para enfrentar os fascistas. No auge
da violência, que já atingia vários escalões do governo, e ameaçava o cidadão
comum, os ministros dormiam o sono dos inocentes e dos justos.
Numa madrugada, enfim, o gabinete de
ministros procurou o rei Vittorio Emanuel para pedir que decretasse o Estado de
Sítio. O rei preferiu chamar Mussolini para montar o governo. Até a mãe
de Sua Magestade simpatizava com o fascismo. O governo do Duce durou 20
anos.
Claro que o Brasil de 2015 não
é a Itália de 1922.
Nem de longe. Também não é o Brasil
de 1980, quando o governo da ditadura tinha cumplicidade com os atentados, e
nada podia fazer.
Dilma fala pela democracia, é parte
dela. A causa da democracia é a sua causa e a de todos.
Seu governo tem obrigação de
transformar a procura pelos responsáveis pela bomba em prioridade máxima. Não
pode haver descanso nem dispersão.
A bomba é um ataque covarde, que
mudou a natureza dos ataques ao governo e a democracia. Só não vê quer não quer.
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