Michel Zaidan Filho
Segundo os analistas da
formação social brasileira, só duas instituições garantiram – no século XIX, a
integridade do território nacional e a união do povo brasileiro: a Igreja e o
Exército. Sendo instituições nacionais,
sem partidarismos ou interesses corporativos a defender, comportaram-se como o
cimento da unidade nacional, em face da fragmentação geo-política das
Repúblicas sul-americanas e seus caudilhos. Hoje, infelizmente não se pode mais
dizer o mesmo: tanto as igrejas (neo-pentecostais) como os militares se
comportam como partidos políticos, tomando posição e intervindo na cena
política brasileira.
Os militares brasileiros
tiveram uma longa e diversificada formação: a doutrina do soldado-cidadão, de
influencia positivista, a influencia alemã no governo do marechal Hermes da
Fonseca, com a profissionalização dos soldados, a influencia nortemamericana,
desde a 2ª Guerra mundial, e, finalmente, a tutela militar sobre a ordem civil,
que nunca abandonou por inteira a mentalidade dos generais. Por sua vez, a
Igreja também se politizou, ora em direção à direita, ora em direção à
esquerda. Com a crise da teologia da Libertação e o fim das comunidades
eclesiais de base, as periferias das grandes cidades foram entregues a uma
caricatura dos cultos evangélicos americanos, com a personalidade midiática dos
pastores e uma teologia da prosperidade (na base de que quanto mais se dá, mais
se recebe). Igrejas tomadas pelo “american
way life”, que pregam um individualismo a todo preço, sem nenhuma preocupação
com as questões sociais.
De instituições
suprapartidárias e visão nacional, passaram a intervir na vida política como
organizações partidárias, apoiando candidatos, integrando ministérios,
manifestando-se na esfera pública, ora admoestando, ora sugerindo, como se não
estivem submetidas a uma Constituição laica e civil, portando subordinadas aos
comandos constitucionais e aas autoridades da República.
Quando falamos “no espectro
do golpe”, não há como lembrar o papel deletério que vêm desempenhando essas
instituições, sobretudo num momento de crise social e sanitária, como o que
estamos atravessando nesse momento. A frágil democracia brasileira vive
eternamente assaltada pela possibilidade de uma intervenção militar – abençoada
pelos pastores neo-pentecostais. É como se o “ethos” democrático e seus valores
nunca tivesse se incorporado á mentalidade de uma parte da população. O que
alguns esperarem pela chegada do messias ou do anjo Gabriel, com a espada em
punho, para punir os corruptos e proteger a nação.
Lamentavelmente esse
“espectro” parece encontrar forte guarida na consciência coletiva de
brasileiros, cuja socialização política foi bloqueada pelas religiões
fundamentalistas. E que alimentam uma
espécie de “teocracia” ingênua e
espontânea e se deixam levar pela propaganda sofística de alguns, candidatos
natos a assumir o papel de “líderes” ou
“vingadores públicos”.
Esse é o problema que teremos que enfrentar: o “espectro do golpe” é alimentado não só pelos golpistas de plantão, mas por uma opinião pública que parece apoiar a aventura golpista, que se diz a favor da Pátria, de Deus, da Família e da Propriedade privada. Não se pode mais ignorar que a questão da democracia e do respeito á Constituição não pode ficar mais restrita aos que defendem esses valores. É necessário um esforço concentrado no convencimento dos outros, ou uma política de contenção dessa horda (para alguns, fascistas) que ameaça a se rebelar.
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