Por Michel Zaidan Filho
O mimetismo institucional brasileiro, feita a
partir da cópia servil da Constituição americana por Rui
Barbosa em 1891, produziu uma incongruência política nunca resolvida na
vida política brasileira: uma moldura federativa, centrífuga e
descentralizadora - cuja base histórica tinha sido as treze ex-colônias
americanas e uma herança ibérica de centralização e estado unitário.
O
ápice dessa incongruência foi a chamada "República Velha", onde
a autonomia real das províncias estaduais foram muito além do modelo
federativo implantado. De lá para cá, assistimos progressivamente a redução
dessa autonomia dos estados-membros e uma centraliza&
ccedil;& atilde;o politica e tributária, cada vez maior do
poder da União. Mesmo com a Constituição de 1988 e o principio do federalismo
fiscal (que passou a incluir os municípios como entes federativos), o que
se viu foi enfraquecimento das unidades subfederativas em benefício do
poder Central, a par do esvaziamento tributário dos estados-membros da
federação brasileira.
A
isso, some-se a herança atávica do messianismo político brasileiro que sobreviveu
através do nosso sistema presidencialista, onde se diz que o Poder que pode é o
Poder Executivo, e não o Legislativo, que em tese se origina na soberania
popular através das eleições periódicas. Aqui, a separação de poderes
(harmonia e independência entre eles) sempre foi uma ilusão. O
desprestígio do parlamento entre os cidadãos sempre foi muito grande,
acostumados a uma personalização e clientelismo nas relações do
povo com deputados, vereadores e senadores.
O
modelo presidencial adotado sobrestima o poder Executivo e menospreza o
Poder Legislativo, visto a necessidade de se obter maiorias provisórias para
a governabilidade do sistema político. Esta variante de modelo foi
chamada de "Presidencialismo de coalizão", onde existem de fato
partidos políticos e verdadeiras correntes de opinião. No caso do Brasil,
contudo, a realidade é bem diferente. Em razão do multipartidarismo e da falta
de representatividade das organizações partidárias, Dá-se assim uma mutação
institucional: o Presidencialismo se torna uma Presidencialismo de cooptação,
seduzindo, corrompendo os partidos e tirando proveito da sua fragilidade
representativa.
É
o que vem ocorrendo no Brasil, em pleno combate da pandemia do
CoronaVirus: um Presidente que se opõe à jurisdição administrativa dos
governadores, menospreza os partidos e descumpre cabalmente a lei e as
recomendações técnicas da organização Mundial da Saúde e dos médicos
sanitaristas, alegando que "o Brasil não poder parar".
Num momento em que as competências administrativas deviam se unir para
enfrentar a crise, o que se vê é a concorrência estupida de jurisdição,
como se a pandemia fosse municipal, estadual ou nação. Ora, a pandemia é
mundial, não tem fronteiras territoriais ou sanitárias. Atinge todos os
continentes por igual, E nos atinge num momento de mais frágil idade social e
sanitária: a ancora fiscal e o corte drástico nas despesas
com saúde pública, educação pública, assistência social etc.
O
Brasil foi alcançado pelo Coronavírus em um dos piores cenários sociais que se
possa imaginar: economia em recessão, alto desemprego, aumento da pobreza e da
miséria no país, sistema único de saúde ameaçado pelo corte de verbas, aumento
da informalidade e do emprego precário, enfim, um cenário ideal para a
devastação social. Entende-se a insensatez de Bolsonaro, embora não se
justifique, em querer negar a extensão da crise sanitária e social e empurrar o
país para "a normalidade econômica". Afinal, ele foi eleito para
vender o Brasil e seu patrimônio às empresas estrangeiras, a preço de banana na
bacia das almas. E a pandem ia ating iu em cheio às atividades econômicas. O
que o impede de cumprir o mandato para o qual foi eleito.
No
entanto, como se diz, o Presidente - como sucessor do messias, não pode tudo.
Ele não descende daquela geração dos reis miraculosos que faziam milagres com
um simples toque nos súditos, embora algumas igrejas o tenham ungido com [óleo
bento. Ele não pode e não deve colocar em risco a vida de milhões de
brasileiros ou condená-los à fome, em razão dos ditames ultraliberais do
mercado, por mais que alguns empresários o estimulem a fazer isso.
Insistir nessa marcha da insensatez é produzir um genocídio da população
brasileira e destruir o principal ativo da nação: o seu povo, os empregos, a
renda\consumo, a identidade cultural, os direitos e garantias fundamentais, a
própria sobrevivência das instituições e ideias políticas brasileiras, ou o que resta
delas.
A
recente aprovação pela Câmara dos Deputados do programa de renda mínima
para os brasileiros, embora não seja suficiente, é um alento no meio
dessa imensa crise social. Pode e deve ser complementado por iniciativas da
própria sociedade civil organizada no sentido de amenizar o sofrimento dos
nossos concidadãos e concidadãs.
*Michel Zaidan é professor aposentado da UFPE e cientista político.
**Ilustração: UOL
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