Texto de Clóvis Manfrini*
Não foi mentira: o 1º de Abril de 1964 em Pernambuco
Pernambuco,
assim como todo o Brasil, acordou na quarta-feira de 1º de abril de 1964 com os
principais veículos de comunicação noticiando o movimento militar que saíra de
Minas Gerais e chegava ao Rio de Janeiro: era a o Golpe Militar sendo
concretizado depois de quase vinte anos
de uma democracia instável, graças principalmente às várias tentativas e Golpes
Militares neste período. O de 1º de abril de 1964, enfim, se efetivara e
colocaria no centro do poder da República os elementos mais autoritários que a
História do Brasil até então conhecera. Diferente do Golpe do Estado Novo, o de
1964 seria mais profissional, contando inclusive com apoio direto dos Estados Unidos e de seus serviços
secretos. Em Pernambuco, os Governos de Pelópidas Silveira (Governo do Recife)
e Miguel Arraes de Alencar (Governo do Estado) sofreriam diretamente as
consequências deste putsch vindo dos
quarteis.
Naqueles últimos dias de
março de 1964, o clima já se encontrava tenso e nem o mais ingênuo dos que
sofreriam o Golpe acreditava que os militares recuariam e a normalidade
voltaria ao país. Em Pernambuco, um dos estados centrais para o Golpe, havia
fatores que as classes dominantes (formada principalmente por uma elite
agrária, ligada à cultura do açúcar) não toleravam: Governos democráticos e
progressistas como os de Pelópidas Silveira e Miguel Arraes, ambos com perfil
ideológico à esquerda de tudo que já tinham governado o Recife e Pernambuco até
então e nascidos da Frente do Recife
(movimento político que unificava democratas, progressistas, trabalhistas,
socialistas e comunistas).
Eram Governos que, pela primeira vez, atuavam junto
às massas (periféricas na cidade do Recife,
no caso de Pelópidas e camponeses superexplorados nas regiões produtoras
de cana de açúcar, no caso de Arraes). A Cooperativa dos Usineiros, associação
patronal, durante o Governo Arraes na Prefeitura do Recife (1959-62), foi
obrigada a pagar o Imposto de Indústria e Profissões, o que já criou um mal
estar entre os que mandavam em Pernambuco. Foram também nas administrações
Arraes e Pelópidas que a estatal Companhia de Transportes Urbanos (CTU) foi
criada, provocando forte reação contrária dos proprietários de ônibus (estes,
próximos dos usineiros) (COELHO, 2012, p. 139).
Outro fator a se considerar
para se compreender o acirramento da luta de classes no Estado, eram as
negociações promovidas pelo Governo do Estado entre usineiros e camponeses,
fato inédito em Pernambuco. Os senhores das usinas não engoliam o fato de se
sentarem na mesma mesa, tendo o Governo como mediador, diante de cortadores de
cana e agricultores pobres, além de não terem mais a Polícia Militar comandada
por Arraes como braço armado da repressão ao crescente movimento camponês. Tudo
isso se somou ao fato de intelectuais e artistas como Paulo Freire, Abelardo da
Hora, Geninha Rosa Borges, Ariano Suassuna, Anita Paes Barreto, entre tantos
outros, terem criado o Movimento de Cultura Popular que deu vida aos Centros Populares
de Cultura (também ligado à União Nacional dos Estudantes, UNE), levando às
periferias e ao campo – com apoio da Prefeitura do Recife e do Governo do
Estado – teatro popular, música, dança e principalmente o método mais
revolucionário até hoje de alfabetização de jovens e adultos: o método do jovem
educador Paulo Freire. Estes eram fatores que ultrapassavam até o reformismo da
esquerda da época e os donos do poder, claro, não deixariam aquilo avançar.
Aumentou-se, com o nítido
avanço das forças populares (no campo com as Ligas Camponesas e na capital com
a organização dos movimentos operário, intelectual e estudantil), a
radicalização da reação que se apoiou nas classes médias e deflagrou movimentos
protofascistas como Tradição, Família e Propriedade (TFP) com suas “Marchas com
Deus Pela Família”, comandadas por seguimentos mais reacionários da sociedade e
próximas da Igreja Católica. No Recife, estas marchas aconteciam e o mote
principal era “combater a ameaça comunista”, um espectro criado pela classe
dominante para amedrontar a classe média. Os principais inimigos destas procissões do atraso eram Arraes,
Brizola e Prestes. Na véspera do Golpe, por exemplo, os jornais da capital
traziam claramente em suas manchetes estes jargões, definindo claramente de
qual lado a grande imprensa estava. A edição do Diário de Pernambuco de 31 de
março de 1964, além de trazer com destaque a derrota do Sport para o Palmeiras
por 4 a 1, em amistoso na Ilha do Retiro, fazia a guerra psicológica que
dominava as redações da época, falando em “greves” lideradas pelo Comando Geral
dos Trabalhadores (CGT, central sindical dominada pelo Partido Comunista
Brasileiro, PCB) e destacando que a Assembleia Legislativa de Pernambuco,
presidida por Felipe Coelho (político conservador, ligado aos Coelho de
Petrolina e que mais tarde seria um fiel apoiador da Ditadura Militar).
O
jornal também trazia informações de que tudo “estava tranquilo” no IV Exército
(sediado em Recife e comandado pelo general Joaquim Justino Alves Bastos, fiel
a Goulart até a deflagração do Golpe, mas que estava no Recife para, segundo
ele próprio, a mando do presidente da República “acompanhar os passos do
Governador Miguel Arraes”, o que mostrava claramente as desconfianças do gaúcho
João Goulart em relação a Arraes) (COELHO, 2012, p. 167) que havia se reunido
na tarde de 30 de março. As forças armadas sediadas em Recife já tinham
informações sobre os “revoltosos” de Minas Gerais e em poucas horas o general
Bastos chefiaria a tomada do poder em Pernambuco. Arraes, que tinha pouco mais
de 20 mil homens da Polícia Militar (comandada pelo coronel Hango Trench, preso
horas depois do próprio governador), sabia que não teria condições de resistir,
principalmente pela falta de recursos que a PM dispunha. A resistência vinda do
Palácio garantiria a participação de populares numa luta? Não se sabe. As Ligas
Camponesas, embora numerosas, contando com Ligas poderosas como a da cidade de
Palmares, não eram movimentos armados e contava em sua maioria com camponeses
pobres simples, sem qualquer preparo para um embate contra tanques e armas
modernas de guerra. Por outro lado, o PCB (que tinha certa influência nas
classes trabalhadoras, principalmente urbanas) estava numa linha revisionista,
adotada principalmente após a Declaração
de Março de 1958 e contava com a evolução pacífica dos acontecimentos para
a “tomada do poder”.
O pouco de resistência que houve, por alguns delegados de
Polícia em cidades como Goiana e no próprio Derby (onde PM’s organizaram
barricadas) foram insuficientes, assim como as greves deflagradas pelos
portuários e operários da Rede Ferroviária Federal. Apesar do Governo Arraes
ter grande apoio, a reação popular ao Golpe não veio. Podemos dizer que foram erros
fatais durante todo esse processo golpista, que levaram o PCB e seus principais
líderes no Recife a serem trucidados, como o dirigente Gregório Bezerra que
logo após o Golpe ser deflagrado, foi tratado pior que um animal de carga,
sofrendo açoites e humilhações por parte dos militares pelas ruas do Recife.
Às dez horas da manhã do 1º
de abril de 1964, o Palácio do Campo das Princesas é cercado. Canhões postos no
Parque Treze de Maio e na Rua da Aurora apontavam para o Palácio onde residia
Miguel Arraes e sua família (COELHO, 2012, p. 177). Os comandos do Golpe entram
no Palácio e na sede da Prefeitura, prendendo Miguel Arraes e Pelópidas
Silveira. São as primeiras autoridades máximas de Pernambuco vitimas dos
militares. Estava concretizada a ação comandada pelo Departamento de Estado dos
EUA e suas sucursais do Brasil, sem qualquer resistência efetiva e com quase nenhuma
mobilização popular. No mesmo instante, a ALEPE e a Câmara de Recife, de
prontidão, afastavam Arraes do cargo e aprovava seu vice, Paulo Guerra (que já
conspirava contra Arraes), como governador de Pernambuco, assim como Pelópidas
da Silveira era afastado, assumindo o vice-prefeito Augusto Lucena. Prefeitos
de outros municípios como Palmares e Escada também eram afastados e presos. O
Golpe Militar estava conflagrado. Pernambuco e todo o país passariam 21 anos
sob a tutela de militares que, com a solidificação do novo regime, assumiriam características
claramente fascistas, torturando e assassinando milhares de opositores em todo
o Brasil, inclusive pernambucanos.
*Formado em Comunicação Social
pela UFPE e Pós-graduado em História pela UPE.
Referências:
COELHO, Fernando. Direita Volver: o Golpe de 1964 em
Pernambuco. Editora Bagaço. Recife: 2012.
Diário de Pernambuco (edição
de 31 de março de 1964).