Dirigente do kolkhoze Lenine,
líder
da agricultura biológica
por Guillaume Suing*
O movimento comunista russo revive o seu legado pré-kruscheviano da
agroecologia ao lançar um agrônomo, filho de camponeses e dirigente do célebre
e ultramoderno Sovkhoze Lenine nos subúrbios de Moscou, ponta de lança da
agricultura biológica russa.
O Congresso do Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) acaba de
designá-lo candidato às próximas eleições presidenciais, mas muitos talvez já o
conhecessem como kolkhoziano líder da famosa herdade coletiva Lenine nos
arredores de Moscou, uma “uma ilha de socialismo no meio da selva
capitalista”, como ele diz do seu trabalho.
Pavel Groudinine é também Vice-Presidente da Comissão de Agricultura da
Câmara de Comércio e Indústria Russa, promovendo a agricultura biológica, cujos
benefícios são conhecidos desde sempre em Moscou pelos adeptos do famoso
Sovkhoze Lenine: aí se colhem morangos e muitas outras frutas sazonais e
legumes; são vendidos produtos lácteos através dos agora designados “circuitos
curtos”, garantia de frescura e de respeito pelo meio ambiente.
Paradoxalmente, esta herdade coletiva, antes um sovkhoz (herdade do
Estado) tornada à força uma cooperativa, um kolkhoz gigante, após o fim da
União Soviética, continua a ser hoje a maior herdade da Rússia e mantém, como
muitos outras herdades onde os trabalhadores recusaram a privatização ou a
venda a promotores imobiliários sedentos de lucro fácil, mantendo as técnicas
agora centenárias do trabalho coletivo, coletivização dos meios de produção,
reinvestimento total na produção, partilha equitativa das receitas, divisão de
trabalho, permitindo aos agricultores tirar férias e aos filhos irem à escola.
É sem dúvida uma dimensão ignorada do
público em geral no Ocidente: muitos kolkhozes e sovkhozes soviéticos
mantiveram-se relutantes em relação à agricultura intensiva, conduzida por
Kruschev e desenvolveram o modelo “sem pesticidas e fertilizantes químicos” até
a estes anos, prova de que se pode conciliar agroecologia e grandes produções
para além do modelo “familiar” promovido pelas teorias “ecossocialistas”. Como
testemunha um outro exemplo de agricultura biológica na herdade coletiva
ucraniana em Stavkovie, filmado por Coline Serreau no seu documentário de
2010 “Solutions locales pour un désordre global” (ver vídeo com extrato do filme).
A candidatura de Pavel Groudinine, votada por unanimidade em 23 de
dezembro, sucedendo à do camarada Guennadi Ziouganov (73 anos), tem para nós,
“ocidentais”, dois significados importantes:
– A agricultura biológica desenvolve-se na Rússia de forma fulgurante,
especialmente desde o embargo ocidental de produtos agrícolas em 2014, forçando
o país a desenvolver suas produções locais. Sinal de que a agroecologia é
indissociável de uma política de independência e autossuficiência nacional.
– A candidatura do PCFR de um
kolkhoziano líder do biológico é uma maneira de o movimento comunista russo
voltar a ligar-se à sua história profunda e soviética. De fato, foi na União
Soviética que foram inventados os primeiros conceitos ecologistas (nomeadamente
a noção de Biosfera do célebre Vernadsky) e a
ciência dos solos – tão ricos no imenso território da União Soviética – viu a
luz do dia, (Dokoutchaiev, Williams foram os primeiros protagonistas). Os
primeiros e principais planos de agroecologia (o famoso “grande plano de
transformação da natureza” de 1948), o desenvolvimento de tecnologias
contrárias ao uso de pesticidas e fertilizantes químicos, foram a base da
agricultura soviética coletivizada até ao período de Kruschev, início do seu
declínio, alinhando com o modelo intensivo americano (ver brochura do Cercle Barbusse intitulée L’Ecologie à la lumière du
marxisme léninisme ).
É este legado “ecologista” do comunismo
russo que explica o grande êxito da agricultura biológica na Rússia de hoje,
simultaneamente com uma preocupação pelo respeito do ambiente, marcado por
exemplo pela multiplicação de zapovedniki no território,
grandes reservas naturais interditas aos seres humanos (fora alguns cientistas)
criadas por decreto em 1921, e que continuaram a desenvolver-se na URSS (com
uma queda pontual significativa durante a era de Khrushchev, vinculado ao
alinhamento na monocultura intensiva americana chamada “produtivista”
(Ver La première opposition à l’agriculture intensive court-termiste était
soviétique de Guillaume Suing) .
O modelo de grandes kolkhozes biológicos e coletivistas desafia a falsa
contradição que alguns ambientalistas ocidentais postulam entre o respeito para
com o ambiente, a saúde humana e a produtividade agrícola. É necessário com
efeito garantir uma certa quantidade de produtos agrícolas, para assegurar a
autossuficiência, ao mesmo tempo respeitando os solos para garantir essa autossuficiência
a longo prazo (em grandes culturas a colheita mecanizada poderia consumir
energias renováveis em vez de combustíveis fósseis).
É visivelmente o caso na Rússia
pós-Ieltsin: o peso do legado coletivista retardou a dissolução dos kolkhozes
russos, tanto os agricultores viam as suas vantagens. Este é também o caso da
agricultura socialista cubana, hoje líder em matéria de agroecologia, devido à sua
estrutura fundamentalmente socialista, com um Estado que é capaz de banir
pesticidas e dar às massas camponesas os meios para garantir o êxito destas
produções, que implicam custos de formação agronômica e técnica (ao contrário
da agricultura intensiva muito passiva).
É igualmente o caso hoje em França nos
pequenos coletivos de jovens agricultores que se lançam em projetos de herdades
coletivas biológicas onde a partilha de tarefas e a coletivização dos meios de
produção lhes permite ter tempo para uma vida pessoal, férias, etc (ver um
trecho de vídeo da emissão de France 5 Le champ des possibles relativa a uma dessas
experiências).
O kolkhoz gigante de Pavel Groudinine é provavelmente um exemplo disto,
com as suas instalações muito “soviéticas” para facilitar as condições de
trabalho do coletivo dos agricultores que lá vivem.
Como um trabalhador relatou ao L´Humanité : “Nós usamos o sistema capitalista para
criar nossa parcela de comunismo. E se atrai tantas pessoas é que porque este
sonho tem futuro. Espero que a Rússia possa inspirar-se no nosso Sovkhoz (…). O
facto de termos bons salários e um estilo de vida não desprezável tranquilizam
e ajudam na intenção de fundar uma família.”
De fato, a herdade coletiva Lenine, com
os enormes reinvestimentos que gera uma empresa que não especula sobre seus
lucros, integralmente redistribuídos, é quase um microestado no Estado, que se
desenvolve e isto apesar de um apoio quase inexistente quando comparado com os
enormes subsídios que Bruxelas dá para às herdades de produção intensiva para
tentar esmagar o mercado mundial. [Para mais informações sobre o Sovkhoz Lenin,
consultar o artigo Un petit coin d’URSS dans la banlieue de Moscou .
Pavel Groudinine explica no mesmo jornal: “Tudo é reinvestido.
Foi assim que pudemos melhorar a produção, proporcionar bons salários, garantir
a segurança no emprego, permitir que as famílias tenham as suas casas, um
jardim-de-infância, uma escola. Este é o estilo de vida que permitimos aos
nossos 320 trabalhadores. No regresso às aulas vamos inaugurar uma nova escola,
capaz de acomodar 180 crianças”. Centro cultural, complexo,
desportivo, parque, piscina, clínica, áreas de desportos, imóveis: tudo é
ultramoderno nesta imensa herdade, onde a colheita de morangos se tornou quase
uma instituição para os que gostam de fruta fresca em Moscovo.
Já é tempo que o movimento ecologista dos nossos países perceba que a
agricultura intensiva “produtivista” não é intrínseca ao comunismo, cuja
experiência no campo ecologista foi pioneira de 1917 aos nossos dias na Rússia
(é verdade com os primeiros desvios kruschevianos e os recuos que lhe estão
associados), mas também evidente em Cuba hoje por razões semelhantes, uma vez
que o legado “produtivista” kruscheviano foi liquidado na década de 1990.
A candidatura de Pavel Groudinine é um sinal concreto que mostra, se
ainda for necessário, a mais evidente unidade estratégica entre o movimento
social operário e o movimento ecologista “verde” contra o capitalismo selvagem
e destrutivo cujos malefícios são hoje indiscutíveis.
Algumas fotos do Sovkhoz Lenine dirigido por Pavel Grounidine, que
produz frutas e legumes biológicos segundo o modelo “soviético”, com edifícios
deslumbrantemente novos, o seu estádio, o jardim-de-infância, suas
infraestruturas inteiramente financiadas a partir do rendimento da produção
agrícola para benefício direto de seus trabalhadores.
*Professor agregado de Ciências da Vida
e da Terra, autor de Evolution: La preuve par Marx (2016), “L’Ecologie réelle,
une expérience soviétique et cubaine” (2018), ed. Delga .
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/russia/groudinine_presidenciais.html
APOIO: PCB (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO) DE GARANHUNS/PE
LEMBRANDO QUE, ATUALMENTE,
OS COMUNISTAS DO PCFR REPRESENTAM A SEGUNDA FORÇA
POLÍTICA NA RÚSSIA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário