Do jornalista Jânio de Freitas, Folha de São Paulo:
Santa
embora, a próxima quinta-feira marca uma profanação constitucional: um ano
exato do pedido de vista que Gilmar Mendes fez de uma ação direta de
inconstitucionalidade e não mais a devolveu ao julgamento no Supremo Tribunal,
impedindo-a de vigorar. Já vitoriosa por seis votos a um, os três votos
faltantes não poderiam derrotá-la.
A
ação foi movida pela OAB em 2011, recebendo adesão subsequente de entidades
como a CNBB, com o argumento de que as doações de empresas que financiam as
eleições são inconstitucionais e devem ser substituídas por doações dos
cidadãos, com um teto para o montante doado.
Gilmar
Mendes é favorável à permanência do financiamento dos candidatos e partidos por
empresas. Sabe-se de sua opinião não só por ser previsível, mas também porque a
expôs em público. Ainda há dez dias, dizia a repórteres: a proposta da OAB
(Gilmar Mendes é costumeiro adversário da Ordem) “significa que o sujeito que
ganha Bolsa Família e o empresário devem contribuir com o mesmo valor. Isso tem
nome. Isso é encomendar já a lavagem de dinheiro.
Significa que nós temos o
dinheiro escondido e vamos distribuir para quem tem Bolsa Família. Não sei como
essa gente teve a coragem de propor isso. Um pouco de inteligência faria bem a
quem formulou a proposta”.
A
explicação é ininteligível. “Essa gente”, que é a OAB, é a CNBB, são outras
entidades e inúmeros juristas, não propôs nada parecido com doações iguais de
empresários e de recebedores do Bolsa Família. E lavagem de dinheiro e caixa
dois são características comprovadas do financiamento das eleições por grandes
empresas, com destaque para as empreiteiras e alguns bancos. O eleitor comum é
que iria lavar dinheiro nas eleições?
Em
artigo divulgado no último dia 28, encontrável no saite Viomundo, a juíza
Kenarik Boujikian, do Tribunal de Justiça-SP, pergunta: “Quem de fato está
exercendo este poder” de eleger os “representantes do povo” no Legislativo e no
Executivo? “O povo brasileiro ou as empresas?”. E segue:
“A
resposta está dada: nas eleições presidenciais de 2010, 61% das doações da
campanha eleitoral tiveram origem em 0,5% das empresas brasileiras. Em 2012,
95% do custo das campanhas se originou de empresas” [2014 não está concluído].
“Forçoso concluir que o sistema eleitoral está alicerçado no poder econômico, o
que não pode persistir.”
O
PT pretende a solução do financiamento eleitoral com verba pública. E lá
iríamos nós financiar o pouco que se salva e o muito que não presta na
política. O PMDB quer o dinheiro das empresas, mas cada doadora financiando um
único partido. O PSDB é contra as duas propostas, o que leva à preservação do
atual sistema. No Congresso há projetos para todos os gostos. Daí a importância
da ação no Supremo.
Desde
a reforma do Judiciário, há 11 anos, a Constituição aboliu o bloqueio de
processos, como Gilmar Mendes faz a pretexto de vista de uma questão sobre a
qual emite publicamente posição definida. Como diz a juíza Kenarik Boujikian,
“não é tolerável que, com um pedido de vista, um ministro possa atar as mãos da
instância máxima do próprio Poder Judiciário, o que soa ainda mais desarrazoado
se considerarmos o resultado provisório [6 a 1] do processo e a manifestação do
ministro. Com isto quero dizer que a soberania popular, que cada magistrado
exerce em cada caso e sempre em nome do povo, não pode ficar na mão de uma
pessoa, em um órgão colegiado”.
Gilmar
Mendes desrespeita o determinado pelo art. 93 da Constituição porque não quer
que se imponha a decisão do STF, como está claro em sua afirmação de que “isso
é assunto para o Congresso”. Mas, além do problema de sua atitude, a decisão do
Supremo tem importância fundamental. Eduardo Cunha avisa que levará a reforma
política à votação já em maio. O dinheiro das campanhas é um dos temas
previstos. E a decisão do Supremo, se emitida em tempo, ficará como um
balizamento que não poderá ser ignorado pela reforma política, uma vez que
antecipará o que é ou não compatível com a Constituição. E, portanto, passível
ou não de ser repelido pelo Supremo Tribunal Federal.