Sem dúvida o artigo escrito por Paulo Camelo
e publicado neste blog causou polêmica na cidade. O socialista, no
texto em questão, foge um pouco ao seu estilo essencialmente político e tenta
filosofar a respeito da relação entre Dominguinhos e a população de Garanhuns.
Chega a defender que o músico não amava a
cidade onde nasceu e acredita também que a população não tinha amor pelo
sanfoneiro.
Na verdade a relação entre pessoas que saíram
da pobreza ou de uma vida modesta num lugar pequeno para o sucesso e a riqueza na metrópole nem sempre é
fácil.
Carlos Drummond de Andrade, o mais bem
sucedido poeta brasileiro de todas as épocas nasceu numa cidade do interior
mineiro chamada Itabira. Depois morou na capital do seu Estado e maior parte de
sua vida o escritor passou no Rio de Janeiro.
Em um dos seus poemas mais conhecidos ele
escreveu o verso que diz: “Itabira é apenas uma fotografia na parede, mas como
dói”. A frase não pode ser interpretada, na primeira leitura, ou fora do
contexto do poema inteiro, propriamente como um elogio à cidadezinha. Drummond
parece querer dizer que as lembranças do lugar em que nasceu são dolorosas, não
lhe fazem bem.
Teríamos muitos outros exemplos de
escritores, cantores e famosos em geral que não morriam de amores pela terra
natal. Roberto Carlos pode até gostar de Cachoeiro do Itapemirim (ES), mas as
lembranças da cidade podem não ser tão boas em sua cabeça. Lá ele foi pobre e na infância um trem
quase lhe tira a vida. O futuro astro teve de usar uma perna mecânica desde os
15 anos de idade. O artista, no início dos anos 70, quando já estava consagrado
como o cantor mais popular do país, relutou muito em gravar a música “Meu
Pequeno Cachoeiro”, de Raul Sampaio.
A canção ficou bonita na voz de Roberto e foi
um grande sucesso. Raul e a população da cidade ficaram na torcida anos
para que a música fosse gravada. E o Rei, como ainda hoje é chamado, nunca explicou porque
demorou a atender o anseio do compositor e dos seus conterrâneos gravando a
linda “Meu Pequeno Cachoeiro”.
Será que o cantor não amava a sua cidade?
Provavelmente amava e ama, mas Cachoeiro lhe doía em algum lugar, como Itabira
incomodou Drummond a vida toda.
Só mais um exemplo: Luís Jardim, que foi
grande escritor e ilustrador, saiu de Garanhuns ainda rapaz e morou quase toda
sua vida no Rio. Saiu da terra natal por conta da Hecatombe, um episódio triste
da história do município em que perdeu várias pessoas da família, inclusive seu
pai.
O escritor não tinha motivos para amar
Garanhuns. A cidade devia provocar dores em sua consciência, no corpo e na
alma.
DOMINGUINHOS – Dominguinhos foi menino pobre
em Garanhuns. Tocava nas feiras para ganhar o pão, como ele mesmo revela em uma
de suas canções. Logicamente os moradores da cidade, principalmente os
burgueses de nariz empinado de tempos passados não davam o menor valor aquele sanfoneiro.
O artista saiu do município, como outras
pessoas, para melhorar de vida. E foi no Sul-Sudeste Maravilha que ficou
famoso, ganhou dinheiro e pode esquecer os tempos difíceis vividos na terra
natal.
Dominguinhos famoso voltou muitas vezes a Garanhuns. Foi homenageado no centenário da cidade, foi a principal atração do
I Festival de Inverno e voltou a se apresentar na segunda edição do FIG. Esteve
no evento ainda duas ou três vezes, recebeu diversas homenagens, a última delas
no CDL local.
Com o reconhecimento do povo de sua terra,
provavelmente o músico superou as lembranças difíceis da infância e
adolescência. Gostava de se hospedar no Hotel Tavares Correia, fez amizade na
Suíça Pernambucana com algumas pessoas que não foram de sua época e sempre as
visitava quando estava por aqui.
Uma das demonstrações de amor de Dominguinhos
a terra natal foi a música “Meu Garanhuns”, que tocou muito nas rádios locais e
por todo o Nordeste. Nesta canção o artista saúda o clima da “terra da garoa”,
lembra do Pau Pombo e do Relógio de Flores, que na música aparece como “relógio
solar”.
Ora, se Garanhuns não lhe tocasse o coração
jamais ele teria feito tal composição. Dominguinhos, à época um artista
reconhecido no Brasil e exterior poderia ter dado "uma banana" para o município
que não lhe deu valor quando era menino. Em vez disso ele dedicou à cidade uma
canção, projetando-a nacionalmente.
Para completar, o cantor, compositor e
sanfoneiro revelou em mais de uma entrevista que após sua morte gostaria de ser
sepultado em Garanhuns. O radialista Geraldo Freire teve a felicidade de gravar
uma dessas entrevistas, que pode ter sido decisiva para que seu desejo fosse
atendido.
Se o artista fez esse pedido de repousar para
sempre em Garanhuns, quando poderia escolher o Rio de Janeiro ou Recife, é por
que a Terra da Garoa corria nas suas veias. Foi um gesto de amor com a cidade
que o trouxe ao mundo.
Inicialmente foi enterrado em Paulista, por
desentendimentos na família. Mas graças à luta do prefeito Izaías Régis, a
viúva e os filhos chegaram ao consenso e trouxeram os restos mortais de
Domingos de Moraes para Garanhuns.
Está lá, no cemitério de São Miguel.
Recebeu homenagens em vida, logo após a morte
e continua sendo celebrado, como nesse bom Festival criado em torno de sua
música, a autêntica música nordestina.
Se Domingos Moraes tinha alguma bronca com
Garanhuns isso é passado. Se a cidade tinha uma dívida com o artista já a pagou
com juros e correção monetária.
Não existe mais – se algum tempo existiu –
uma relação de amor e ódio ou dor. Agora deve haver respeito, compreensão,
sensatez.
José Domingos de Moraes foi um excepcional
artista que saiu daqui para ganhar o mundo. Venceu e finda a batalha retornou
por vontade própria. Está eternizado em suas músicas, no túmulo de São Miguel, na Praça que leva o seu nome e na estátua do artesão garanhuense José
Veríssimo.
Criticar José Domingos de Moraes neste
momento porque não deu mais atenção a Garanhuns ou reclamar de seus
posicionamentos políticos à direita, depois do homem morto, sem poder se
defender ou explicar é até covardia.
Neste momento, creio, deve ficar na memória
sobretudo o talento do sanfoneiro, a voz mansa e carinhosa e versos que foram
cantados em todo o Brasil por Gilberto Gil, Elba Ramalho, Nando Cordel, Fagner
e outros cantores de gabarito.
Meu Garanhuns, Eu Só Quero um Xodó, Gostoso
Demais, De Volta pro Meu Aconchego e muitas outras músicas desse porte são com
certeza o grande legado de Dominguinhos, que queiram ou não é de Garanhuns,
está entre nós e aqui permanecerá até o final dos tempos.