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FILMES INESQUECÍVEIS XLII


ELES NÃO USAM BLACK-TIE

Assisti pelos menos três filmes de excelente qualidade tratando da temática do sindicalismo e  as greves. Um é americano, Norma Rae, com Sally Felds no papel principal e roubando todas as cenas, numa interpretação incrível que nunca me saiu da memória. Os outros dois são brasileiros e embora possam ter sido superados pelo concorrente estrangeiro, no aspecto técnico, têm a vantagem de pegar mais o expectador pela emoção e mostram especificamente a realidade do nosso país num determinado momento.

O mais recente deles é “Lula, o Filho do Brasil”, boa obra de Fábio Barreto, prejudicada por ter sido feita com o personagem principal vivo e no momento do seu lançamento governando o Brasil. Tem grandes qualidades, mas a falta de distanciamento histórico e uma guerra ideológica construída em torno do produto terminou por afugentar parcelas representativas de possíveis expectadores do drama. É o tipo de filme mais comentado do que visto e teve muita gente odiando sem ao menos conferir.

O outro longa nacional a tratar do mesmo tema é Eles não usam Black-Tie, do cineasta Leon Hirszman, produzido em 1981. Era um diretor já experiente (morreu em 1987) no início dos anos 80, tendo adquirido o respeito da crítica e do público em 1972, quando esteve à frente das câmeras em São Bernardo, uma adaptação do romance de Graciliano Ramos.

Em Eles não usam Black-Tie não temos nada de Lula, de focar ou endeusar um personagem de carne e osso, que está aí, na nossa frente. É uma obra de ficção, baseada numa peça de teatro escrita em 1955 e adaptada para o cinema e o tempo das grandes greves do ABC paulista. O responsável por essa façanha foi Gian Francisco Guarniere, ator que marcou época no Brasil, se destacando muito nos anos 60,  70 e 80, tanto em cinema quanto em televisão. Autor e ator engajado, este italiano que chegou ao Brasil ainda criança, fugindo do fascismo, pode ser citado por inúmeros trabalhos de peso feitos em terras brasilianas: O Quatrilho (Fábio Barreto), Gaijim – Caminhos da Liberdade (Tizuka Yamazaki), O Jogo da Vida (Maurice Copovilla); além das novelas Que Rei Sou Eu, A Próxima Vítima, Rainha da Sucata e as minisséries Anos Rebeldes e Incidente na Antares, esta última baseada num ótimo livro político de Érico Veríssimo.

Vi no cinema Eles não usam Black-Tie há muitos anos, quando ainda morava no Recife e a ditadura já dava sinais de cansaço. Um filme com a temática da peça de Guarniere, adaptada para aquele período, quando as greves explodiam no país, foi uma ousadia e tanto.

Logicamente que hoje, neste Brasil que preserva menos do que devia a sua memória, o trabalho de Leon Hisrzman é desconhecido das novas gerações e está esquecido por muitos que o viram. Tremenda injustiça, falta de compromisso com a cultura e também com o resgate das boas produções nacionais.

O filme de Hirszman é bem executado, tem um elenco de primeira, envolve o público do primeiro ao último momento e aborda tanto o conflito familar quanto o político com muita competência.

Em Eles não usam Black -Tie, que se passa em 1979, o jovem operário Tião (Carlos Alberto Ricelli) namora Maria (Bete Mendes, então jovem e muito bonita). Ela engravida e pensa em abortar (veja como essa discussão vem de longe). Ele, machão, contrário a esse tipo de atitude, discorda e toma outra decisão: casar.

Acontece que no momento em que vivem esse drama, os trabalhadores da fábrica onde trabalha decretam greve por melhores condições de vida e salários. Preocupado com o futuro de sua esposa e do filho que vai nascer, o personagem resolve furar o movimento, entrando em conflito com o pai, Otávio, interpretado magistralmente por Gian Francisco Guarnieri, que escreveu o roteiro, adaptando sua peça dos anos 50 para o cinema dos anos 80.

O filme tem ainda Fernanda Montenegro e Milton Gonçalves. Com um elenco desses, um cineasta de primeira, trilha sonora de Chico Buarque e Adonoriam Barbosa só se poderia esperar mesmo uma grande obra cinematográfica, não é mesmo?

O longa chegou a encher as salas de cinema do país naqueles anos que antecederam a luta pelas diretas já e Lula era apenas um operário que cinco anos depois se elegeria deputado federal. Muita coisa mudou desde então, mas Eles Não usam Black-Tie continua o que é desde seu lançamento: um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos, uma obra que não merece de forma alguma cair no esquecimento.

O trabalho de Hirszman teve reconhecimento internacional, recebendo os principais prêmios em festivais de Havana e Veneza, em 1981.

Um comentário:

  1. Incluiria também, Morte e Vida Severina, que de forma poética e musicada conta tão bem o drama do povo nordestino.

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