UM ASSUNTO EMPOLGANTE

Roberto, só agora vi a enquete. De fato é um assunto empolgante, embora não possamos esperar dele o mínimo consenso. De um tempo pra cá desenvolvi uma teoria que em parte me agrada porque põe um ponto final naquele tipo de discussão ad infinitum. Acho que fé é uma questão de pré-disposição. Tem-se pré-disposição à fé como se tem ao câncer, por exemplo. O mesmo se diga da falta dela. Deve existir alguma pesquisa que aponte um fulano que morreu aos 90 anos atropelado por uma bicicleta numa família em que todos morreram de câncer antes dos 50. Não se trata de uma questão de cultura. O sujeito leu muito e percebeu que tudo aquilo que o padre dizia não passava de um monte de mentiras. Isso funciona com uns, mas com outros não, portanto não é uma questão de cultura. Não é tão simples, não senhor, senão Chesterton seria o mais refinado ateu. Ao invés disso foi católico, e católico de carteirinha numa época marcada pelo socialismo, materialismo e ceticismo. Uma época que nos legou Bernard Shaw, Bertrand Russell e Nietzsche. Conheço pessoas analfabetas que são ateus e conheço pessoas de certa cultura que acreditam que o mundo tem seis mil anos e pior do que isto; acreditam em Adão e Eva e que um dia tudo se acabou debaixo d’água. Então é pré-disposição, uma necessidade de crer em algo que dê sentido à sua vida. Uma necessidade de ordem e uma reação ao absurdo de existir, ser finito entre duas eternidades – o passado e o futuro – e o desejo de escapar ao pior de todos os absurdos: a morte. Somos um projeto fadado ao mais irremediável fracasso. Nem todo mundo encara isso numa boa. Pense no que disseram os inquisidores a Galileu. Não crer em Deus – ainda mais um Deus que nos ama e está disposto a nos perdoar as piores infâmias – não é um bom negócio. Pior que isso, é burrice, aumenta em muito as chances de sofrimento. Mas, como eu já disse, se não tem predisposição à fé, não tem jeito. Deus não existe, é claro. Ou pelo menos não existe um sujeito que pode tudo e não faz nada além do que já estava feito e que passa os dias da eternidade – como se não tivesse nada mais pra fazer – olhando pelo buraco da fechadura, como um voyer, nossas falhas, nossos tropeços e contabilizando aqueles que vão para o céu e os que sofrerão no inferno, um lugar de muito ódio que foi projetado pelo Deus do amor. Um contracenso, no mínimo. Eu votei no lógico, mesmo sabendo que o racionalismo ainda não conseguiu responder às questões existenciais mais profundas. É a pré-disposição, fazer o quê?

Nivaldo Tenório