Por Michel Zaidan Filho
Decorrido
um pouco mais de seis meses da posse presidencial, vai se tornando
possível uma avaliação do estado da obra de Jair Messias Bolsonaro. A
obra-em-processo parece se basear em dois pilares; a desconstrução dos direitos
previdenciários e protetivos do povo brasileiros, inspirados no padrão
redistributivos de 1988, e o recrudescimento punitivo do direito, uma volta ao
conceito direito penal retributivo, como a velha lei de Talião,
abandonando os postulados do garantismo jurídico e questionando as políticas de
ressocialização do preso.
O
primeiro pilar encontrou muita resistência na sociedade e no Congresso, em
razão de seu caráter mercantil e financeiro, cujo objetivo seria transformar a
previdência social em fundo de capitalização a ser abocanhado pelo mercado financeiro.
Esta tentativa se chocou com a resistência de muitos parlamentares, obrigando o
relator do projeto a retirar do texto da PEC a capitalização do sistema das
pensões sociais. Outros pontos não incluídos no texto da reforma se referem a
aposentadoria rural e o benefício de prestação continuada. Algumas categorias
reclamaram por terem sido traídas por Bolsonaro, entre elas, a dos policiais
civis.
Há
problemas também com a adesão de estados e municípios, vindo outra vez à tona
velhas questões federativas do Estado brasileiro. Embora o Datafolha tenha
apurado que 47% dos entrevistados apoiam a reforma, não é absolutamente seguro
que o governo tenha maioria na Câmara para aprová-la, Parte da base fisiológica
de Bolsonaro ainda aguarda 66 milhões prometidos por ele em emendas
parlamentares, para dar seu voto ao projeto, De toda maneira, é falsa a conta
apresentada pelo ministro da economia, Paulo Guedes. 0 argumento contábil de
que as contas da previdência não fecham e vão levar à ruína a seguridade social
, é uma grande mentira. Por todos os cálculos o caixa da previdência social é
superavitário, mas esta sendo usado para fazer superavit primário, como forma
de pagamento dos juros da dívida pública da União, que é trilionária. Fora o
perdão das dívidas bilionárias de grandes devedores da Previdência Pública.
O outro pilar, o pacote criminoso do senhor Sérgio Moro, tornou-se um fracasso, emperrado como está na Comissão de Justiça. Fiasco mais ainda agravado pela desmoralização pública do ministro da Justiça. Pacote polêmico, de inspiração na doutrina norte-americana do "self-defense", vai na linha contrária do movimento garantista, que entende o crime como metáfora social e acredita na ressocialização dos apenados. O pacote do senhor Moro cria mais tipos penais, antecipa a maioridade penal dos adolescentes, aposta na cultura do encarceramento como solução para a violência e encoraja a justiça com os próprias mãos.Na mesma direção do pensamento de Bolsonaro. Naturalmente, uma cesta de medidas tão indigestas e impopulares como esta dificilmente seria apoiada pelos parlamentares. Some-se a isto, a ideia de assediar deputados e senadores da República, sem convencê-los, mas utilizando-se do argumento de autoridade ou prestígio político.
Pode se
dizer hoje que os dois pontos principais do programa de governo estão muito
distante dos propósitos de seus autores. Um, com a autoridade enfraquecida
pelos vazamentos do "Intercept", e o outro pela resiliência da
chamada "classe política" de arcar com o ônus de uma proposta
de lesa-seguridade social. O governo pode até ver aprovada pela Câmara a
reforma da Previdência; mas o texto final dessa votação estará longe daquele
que foi apresentado pelo ministro da Economia aos ilustres deputados. Depois do
fracasso da Previdência chilena, em que se espelha a do Brasil, dificilmente se
aprovará uma modalidade de aposentadoria que seja operada pelo mercado
financeiro. Isto seria só uma temeridade, mas acima de tudo uma estupidez.
* Michel Zaidan Filho é cientista político e professor da UFPE.
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