O Brasil discute uma reforma da previdência que tende a aumentar
desigualdades, embora sua propaganda aluda ao combate de privilégios. O país
também se prepara para debater uma reforma tributária de modo independente da
previdência. Se a redução das desigualdades fosse finalidade das reformas, as
mudanças na previdência deveriam ser outras. Em ambas as reformas deveriam ser
debatidas conjuntamente.
A reforma da previdência proposta aumenta muito a desigualdade de acesso
à aposentadoria. Muitos brasileiros pobres começam a trabalhar muito cedo, mas
não conseguem contribuir pelos 20 anos exigidos para obter a aposentadoria
parcial, para não falar dos 40 anos para a aposentadoria integral.
Nas regras atuais, a primeira alternativa para aposentadoria é somar um
tempo mínimo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 para homens) com sua
idade para alcançar um período de 86 anos para mulheres e 96 para homens, que
aumentará a cada dois anos até chegar à soma 90/100 em 2027. A segunda
opção é alcançar a idade mínima de 60 anos para as mulheres e 65 para homens,
com pelo menos 15 anos de contribuição. A desvantagem é o desconto do valor da
aposentadoria pelo “fator previdenciária” que varia com a idade, o tempo de
contribuição e a expectativa de sobrevida.
A proposta atual elimina a primeira opção. Aumenta a idade mínima
feminina para 62 anos (com os mesmos 15 anos de contribuição) e mantem 65 anos
para homens, mas exige 20 anos de contribuição) e aumenta o desconto da
aposentadoria parcial ( entre 20 e 39 anos de contribuição).
O problema é que os cidadãos que só conseguem se aposentar hoje por
idade são trabalhadores precários que estão longe de alcançar o tempo de
contribuição exigido nas novas regras: 56,6% dos homens e 74,82% das mulheres
não alcançam. Em média, os homens só conseguem contribuir 5,1 vezes por ano, e
as mulheres 4,7 vezes, segundo estudo de Denise Gentil (UFRJ) e Claudio Puty
(UFPA) para a Anfip.
Se precisarem contribuir mais 60 meses, supondo que continuem empregados
e consigam contribuir no mesmo ritmo na velhice ( o que é uma proposição
absurda), a idade mínima real de aposentadoria parcial seria 74,8 anos para
mulheres e 76,8 para homens, na média. Na prática, milhões não chegariam a se
aposentar ou, com “sorte”, seriam transferidos para a assistência social, mas
suas contribuições não seriam nem devolvidas.
Como são trabalhadores em empregos precários, aumentar seu tempo de
contribuição não significa combater privilégios, mas aumentar a desigualdade.
Significa retirar recursos de muitos trabalhadores pobres e vulneráveis que não
conseguirão se aposentar.
De nada adianta reduzir a alíquota mensal de contribuição para os pobres
se a contribuição se alonga por mais 60 meses e, no fim, nem garante a
aposentadoria. O incentivo é para que não contribuam, o que coloca em risco até
o pagamento das atuais aposentadorias.
O risco ao sistema advém igualmente do fim da contribuição fiscal dos
empregadores, como a Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL). Com o PIS-Pasep, somam cerca de metade das receitas da Seguridade
Social.
A proposta atual retira as contribuições fiscais do financiamento das
aposentadorias (mantendo-as na Seguridade). O financiamento tripartite da
aposentadoria acabaria, no sentido em que a reforma deixaria apenas o
contrato de trabalho formalizado entre o trabalhador e seu empregador como
fonte de recursos (através da contribuição previdenciária sobre a folha
salarial).
Isto tudo provavelmente já inviabilizaria o sistema, mas para completar
o governo Bolsonaro promete reforma tributária que libera o empregador de
contribuir para a Previdência com uma percentagem da folha salarial, além de
abolir a Confins e a CSLL.
Em um país tão desigual, deixar apenas os trabalhadores e, a depender da
reforma tributária, talvez os empresários como responsáveis por um sistema
contributivo de aposentadoria é condená-lo, especialmente nas circunstâncias
atuais. A crise e o desemprego levaram 6,2 milhões de trabalhadores e milhares
de empresas a deixarem de contribuir para o sistema, contraindo as receitas em
cerca de R$ 230 bilhões entre 2014 e 2017 em termos reais.
Para completar, o desvio das contribuições sociais da Seguridade Social
para o Tesouro aumentou de 20% para 30% em 2016, saltando da média de R$ 63,4
bilhões entre 2013-2015 para nada menos que R$ 113 bilhões em 2017.
Foi a crise econômica que contribuiu para o déficit, e não o contrário.
Quando a crise for superada, porém, não é provável que as receitas se recuperem
o suficiente caso o emprego do futuro venha sem contribuição empresarial sobre
a folha salarial.
Se, como hoje, a solução proposta para a insuficiência de receitas no
futuro for elevar de novo a idade mínima, a alíquota média e o tempo de
contribuição, qual segurança jurídica terão os trabalhadores para serem
incentivados a contribuir para a previdência pública mesmo que tenham empregos
estáveis?
Em suma, trabalhadores com emprego e renda precários não terão
capacidade de alcançar o tempo de contribuição requerido para se aposentar,
enquanto trabalhadores com emprego estável e maior renda não terão incentivos
para contribuir para um sistema insustentável.
É por isso que, se o objetivo for realmente combater privilégio e
reduzir desigualdades, a proposta deveria, primeiro, explicar em detalhes as
projeções atuariais e demográficas que justificam atrasar e até inviabilizar a
aposentadoria de milhões de brasileiros pobres.
Segundo, deveria focar no topo do funcionalismo público. Terceiro, a
reforma previdenciária deve ser necessariamente complementada pela reforma
tributária, mantendo o financiamento tripartite da Previdência, mas combatendo
os privilégios na tributação. Afinal, o Brasil parece um paraíso fiscal para
detentores de capital e para a elite de profissionais de alta renda.
Ainda é tempo de debater com honestidade como combater privilégios e
reduzir desigualdades. Porém, levar adiante a reforma da previdência nos
termos atuais tornaria o Brasil um exemplo mundial de como destruir um sistema
solidário de previdência e aumentar a desigualdade.
Thomas Piketty é diretor da I´Ecole des Hautes Etudes em Sciences
Sociales (EHESS) e professor da Paris School of Economics (PSE).
Marc Morgan e Amory Gethin são pesquisadores do World Inequality Lab da
PSE.
Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor
do IE-Unicamp e pesquisador do Cecon-Unicamp.
*Foto: Globo
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A PETEzada reclama da #GloboLixo. Mas para eles as coisas não são verídicas até passar na #GloboLixo, depois que passou vira a verdade incontestável!
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