François Truffaut é considerado uma dos maiores
diretores de cinema do século XX. Ao longo de sua carreira esteve à frente das
câmeras em mais de 20 filmes, a maioria deles de qualidade indiscutível, com
boa receptividade do público e da crítica.
Entre os filmes mais representativos de Truffaut
estão A Noite Americana, A História de Adèle H, Na Idade da Inocência, A Mulher
de Lado e O Último Metrô.
A estreia do cineasta francês se deu em 1959 com a
obra prima Os Incompreendidos, longa que ficou com o principal prêmio do
Festival de Cannes daquele ano.
Um trabalho que entraria para a história do cinema e
influenciaria gerações de cineastas, criando um movimento artístico entre os
franceses chamado de nouvelle vague.
Os Incompreendidos é um filme aparentemente simples,
despojado de quaisquer artifícios ou efeitos dramáticos. Pega o expectador
sensível pelo realismo, a forma direta com a qual o diretor conta a história, a
reflexão sobre a educação na escola e em casa, na distante década de 50, já
entrando nos anos 60.
Antoine Doinel é um garoto de
14 anos. Vive com a mãe e o padrasto um relacionamento difícil. Ela negligencia
o menino, chega a explorá-lo, parece mais preocupada em satisfazer sua vaidade
e chega a ser flagrada pelo filho beijando um amante, nas ruas de Paris.
Se a mãe biológica não dá a
Antoine a atenção merecida não é de se esperar muito do marido, que numa das
cenas fortes do longa chega a bater no rosto do garoto, isso dentro da escola,
com o professor e colegas presenciando a cena.
Por sinal o filme começa na
escola que Doinel estuda e já aí o diretor mostra de forma bastante contundente
um sistema de ensino autoritário, representado por um professor medíocre e
arbitrário que não tem a menor sensibilidade com os alunos, todos menores de idade.
As cenas na sala de aula
duram vários minutos e permitem a quem assiste o filme firmar uma opinião sobre
a escola, o mestre e os estudantes. E não há como ficar contra a garotada,
vítima de um sistema arcaico e repressor que só começaria a mudar a partir da
década seguinte.
Depois acompanhamos Antoine
em casa, recebendo ordens da mãe e do pai. Tem que guardar o lixo, fazer e isso
e aquilo e ainda aturar broncas do casal.
Vivendo uma vida dessas no
início da adolescência, não é de estranhar que o menino vá aos poucos se
revoltando e se desviando do bom caminho.
Incompreendido na escola e no
lar, sem apoio e orientação, o personagem termina por fugir e juntamente com um
colega começa a praticar pequenos furtos.
Uma cena também marcante é
quando Doinel rouba um litro de leite e toma o líquido sofregamente. A câmera
se demora no menino fazendo a refeição com a garrafa roubada, as imagens
expressando muito sem precisar que ninguém apareça para dizer alguma palavra.
Com o amiguinho Antoine rouba
uma máquina de escrever, porém não consegue vender o objeto e em vez de jogá-lo
em qualquer lugar resolver levá-lo de volta. É aí que é pego e levado pela
polícia. Os pais são chamados e não surpreende a falta de apoio ao menino.
Parecem mesmo querer se livrar dele. Dão a entender que fazem de tudo pelo
jovem, que, no entanto, “prefere se marginalizar”.
O adolescente é então
recolhido a um reformatório, passa a conviver com outros garotos em idade
semelhante, todos considerados problemáticos.
O que salta aos olhos para
nós brasileiros é que a Casa de Correção ou de Observação dos meninos
franceses, é quase um paraíso quando comparado com a nossa antiga Febem hoje
Fundac.
Truffaut não mostra o
reformatório de modo simpático e é lógico que não se trata do melhor lugar para
encaminhar ou recuperar jovens que estão meio perdidos na vida. Mas imagine o
amigo leitor (a) se o cineasta francês tivesse chegado a conhecer a Fundação do
Bem Estar do Menor aqui no Brasil.
Antoine vai lutar para
escapar do Centro de Observação e no final o diretor do filme vai nos
proporcionar outro grande momento do longa. O garoto corre, corre, parece que
sua caminhada não tem fim. E de repente ele se depara com o mar que nunca tinha
visto, sua expressão é de surpresa, admiração e cabe a nós expectadores ficar
imaginando o que vai acontecer, como será a vida do menino de agora por diante
asfixiado por pais, professores e toda uma sociedade incapaz de compreender os
seus anseios, seus sonhos, seus dramas.
Os Incompreendidos tem muito
de autobiográfico e François Truffaut realizou outros filmes com o mesmo
personagem, como que “continuando a contar sua história”.
O diretor, que foi amigo e
eleitor do presidente francês François Miterrand, chegou a ser homenageado pelo
estadista. Muito justo para um artista tão representativo da Europa e do cinema
mundial.
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